Aureliano Neto*
Há aqueles - e são muitos, infelizmente -, que adoram uma boa confusão, ou mesmo uma má e precipitada briga, ainda que de desfecho duvidoso. E dão um boi para entrar no conflito, e uma boiada para dele não sair. Também há os que são possuídos de uma tolerância de Gandhi. Sempre buscam o entendimento para solução das disputas. São os adeptos da não-agressão, que fazem do diálogo, da paciência do ouvir, o meio suasório de resolver a controvérsia. Seguem, com fidelidade, o dito popular de que é melhor um bom ou razoável acordo que uma imprevisível demanda, cujo final nem sempre lhes pode ser favorável.
Vejam bem. O preâmbulo da nossa Constituição Federal faz enfática referência à instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica das controvérsias. Tanto é essa a finalidade que, para almejar a pacificação dos conflitos, a nossa Carta Republicana outorgou, no art. 98, competência à União e aos Estados para criarem juizados especiais, providos por juízes togados ou leigos, competentes para conciliarem as causas cíveis de menor complexidade. E no inciso II da mesma norma, concede à justiça da paz competência não jurisdicional para exercer atribuições conciliatórias. Percebe-se que o constituinte de 1988 teve o cuidado de pensar em dotar a justiça com juízos eficazes para compor consensualmente as disputas judiciais e extrajudiciais.
Ao lado dessas regras constitucionais, que denotam a relevância da conciliação como meio de compor as demandas que se deflagram entre os cidadãos, a Lei 9.099/95, que trata dos juizados especiais cíveis e criminais dos Estados, contém uma norma de extrema e essencial importância, que é o art. 57, que diz que "o acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial". Essa regra, de grande alcance e, infelizmente, de tão pouco uso, possibilita que as partes em conflito, por si mesmas, ou até mesmo com a participação de um mediador ou conciliador, resolvam a controvérsia, por via consensual, ainda que envolvam questões de qualquer natureza ou valor (família, obrigação, sociedade empresária, condomínio, locação etc.), e, como garantia de cumprimento, levem ao juízo competente para homologar.
Chimenti (In: Teoria e Prática dos Juizados Cíveis Estaduais e Federais, 7. ed., Saraiva, p. 311), em percuciente exame, esclarece que "o juiz competente para análise e homologação do acordo extrajudicial firmado com base neste art. 57 pode ou não ser o juiz do Sistema Especial, de acordo com a matéria e o valor do pacto firmado entre as partes". Ora, se não vivêssemos a cultura da sentença, caracterizada pelo exercício da jurisdição adversarial, e as pessoas (físicas ou jurídicas) não vissem na figura do juiz um deus produtor de decisões, os interessados na solução de suas disputas, antes de ingressar com a demanda em juízo, tentariam sempre resolvê-las por meio pacífico, com menos ônus e mais rapidez no resultado negociado.
A processualista Ada Pellegrini Grinover (In: Os Fundamentos da Justiça Conciliativa. Mediação e Gerenciamento do Processo, 1. Ed., Atlas, pp. 3-4) faz profunda reflexão sobre as vantagens da conciliação, tanto no seu aspecto procedimental quanto ao fim sociológico, ao afirmar que "releva, assim, o fundamento social das vias conciliativas, consistente na sua função de pacificação social. Esta, via de regra, não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente a regra para o caso concreto, e que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução; e que, de qualquer modo, se limita a solucionar a parcela de lide levada a juízo, sem possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral mais ampla, da qual aquela emergiu, como simples ponta do iceberg". E conclui: a justiça tradicional é passadista; enquanto a informal se dirige para o futuro.
Na Inglaterra, o processo só chega ao juiz como última opção, após esgotadas todas as instâncias de solução consensual, pela mediação, meio de resolução muito utilizado pelos ingleses. Pode o tribunal recomendar que as partes, no curso do processo, recorram ao procedimento consensual, aplicando punições para aquele que não aceitar a recomendação. Como sanção, embora ganhe a demanda, não faz jus aos valores da sucumbência, ou estes podem sofrer elevação (In: Neil Andrews, O Moderno Processo Civil, formas judiciais e alternativas de solução de conflitos na Inglaterra. 1. Ed., RT. Rev. tr.: Teresa Arruda Alvim Wambier).
Conciliar é transformar o conflito numa vivência afetiva, humanizando as relações com o outro. Na visão de Warat (In: Ofício do Mediador, p. 140), o conflito, a ser conciliado ou mediado, é sempre um labirinto de sensibilidades, não alcançadas pelo mapa de normas e decisões. Por isso, afirma Warat, as técnicas legais não resolvem esse labirinto. Impõe-se avançar nessa nova justiça informal e de resolução coexistencial. A semana da conciliação é um convite impositivo para prática desse moderno paradigma, que aponta para o futuro de uma relação solidária e de patrocinar o encontro com o outro.
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