Maria da Conceição Evaristo de Brito, escritora, poeta, contista e romancista. Em 2015, com o livro Olhos d'água, foi laureada com o prêmio Jabuti, na categoria de contos. Algumas de suas obras já se encontram traduzidas para o francês, inglês e alemão. Titulou-se em mestre e doutora em literatura brasileira e comparada. Professa e pratica a arte da escrevivência. Assim, ela mesma o diz, na apresentação de sua obra memorialista Becos da memória: "...já afirmei que invento sim e sem o menor pudor. As histórias são inventadas, mesmo as reais, quando são contadas. Entre o acontecimento e narração do fato, há um espaço em profundidade, é ali que explode a invenção. Nesse sentido venho afirmando: nada que será narrado em Becos da memória é verdade, nada que está narrado em Becos da memória é mentira. Ali busquei escrever a ficção como se tivesse escrevendo a realidade vivida, a verdade. Na base, no fundamento da narrativa de Becos está uma vivência, que foi minha e dos meus. Escrever Becos foi perseguir uma escrevivência."
Conceição Evaristo, essa grande artista das letras - poetisa, contista e romancista -, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 29 de novembro de 1946, tendo se radicado em terras fluminenses. Tem vários livros publicados. Em texto esclarecedor, afirma a mestra em letras-literaturas africanas, Simone Ricco (UFF): "Em 2016, ano da sua boda de prata literária, inúmeros episódios de adoção de seus textos em bibliografias de processos seletivos e a escolha de suas para estudos acadêmicos confirmam tratar-se de uma das escritoras brasileiras mais lidas e estudadas, dentro e fora do país, responsável pela circulação de uma escrita marcada pela oralidade, dedicada a produzir ficção e reflexão sobre a comunidade afro-brasileira, suas memórias e histórias." A professora, como se deduz, faz um resumo dos talentos artístico-literários dessa negra, que teve a ousadia de concorrer para a cadeira n.° 7 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão da vaga deixada pelo cineasta e acadêmico Nelson Pereira dos Santos, falecido no mês de abril do ano de 2017. Não teve êxito. O escolhido foi outro cineasta: Cacá Diegues. Essa opção da ABL gerou uma frustração entre aqueles que torciam por Conceição Evaristo. Mas tudo passa. Diria alguém mais pragmático: o passado passou. Vamos em frente.
Apesar dessa inexplicável rejeição, fico com o lirismo, que não se divorciou da origem africana desse caminhar literário dessa excelente escritora. Em Poemas da recordação e outros movimentos, encontro estes versos extraídos de Vozes-mulheres: "A voz de minha bisavó / ecoou criança / nos porões do navio / Escoou lamentos / de uma infância perdida. / A voz de minha avó / ecoou obediência / aos brancos-donos de tudo. / A voz de minha mãe / ecoou baixinho revolta / no fundo das cozinhas alheias / debaixo da trouxas / roupagens sujas dos brancos / pelo caminho empoeirado / rumo à favela. / A minha ainda / ecoou versos perplexos / com rimas de sangue / e / fome." São dessas, hoje, metáforas do sofrimento (de exclusão) que se banha a arte literária de Conceição Evaristo. Becos da memória mostra toda essa saga. Lá pras tantas da frustração dos que ficaram e dos que morreram, encontra-se esse discurso:
"- Menina, o mundo, a vida, tudo está aí! Nossa gente não tem conseguido quase nada. Todos aqueles que morreram sem se realizar, todos os negros escravizados de ontem, os supostamente livres de hoje, se libertam na vida de cada um de nós, que consegue viver, que consegue se realizar. A sua vida, menina, não pode ser sua. Muitos vão se libertar, vão se realizar por meio de você. Os gemidos estão sempre presentes. É preciso ter ouvidos, os olhos e o coração abertos."
Daí a conclusão do poema Vozes-mulheres: "A voz de minha filha / recolhe em si / a ala e o ato. / O ontem - o hoje - e o agora / Na voz de minha filha / se fará ouvir a ressonância. O eco da vida-liberdade."
Por ser negra, a escritora tem manifestado a sua preocupação, não por essa razão epidérmica, mas para que não confundam a sua obra literária como se fosse produto de mera militância libertária. Por isso mesmo, Conceição Evaristo tem clamado para que a leiam antes de emitir qualquer juízo depreciativo, ou de restrição: "Antes de lerem nossos textos já fazem um pré-julgamento, ou dizem que a autoria negra é uma autoria de militância. Mas é preciso conhecer os textos. Peço muito para as pessoas que não leiam apenas minha biografia, porque ela é importante sim, porque ela contamina meu texto, mas por favor leiam meu texto."
Assim deve ser feito. Dela tenho três livros: Poemas da recordação e outros movimentos (uma excelente obra), História de leves enganos e parecenças (uma coletânea de contos) e Becos da memória (um romance memorialista) de excelente qualidade narrativa, que responde ao que Conceição Evaristo diz na apresentação: "Escrever Becos foi perseguir uma escrevivência." Bem. Os livros são feitos para serem lidos. Então, vamos ler.
* Membro da AML e AIL.
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