Aureliano Neto*
Quando Millôr Fernandes morreu, as revistas semanárias publicaram farto material ao seu respeito. E não deixaram de referir-se às suas perspicazes e inteligentes citações, que foram produzidas no curso de toda a sua vida. Numa delas, Millôr dizia que a morte é compulsória, a vida não, ou, ainda, a esperança é a última que mata. Como não dispensava os políticos da sua verve satírica, afirmou que o político é um gaiato que prefere a versão ao fato. E ainda: o adultério é o mercado negro do orgasmo; "meu bem" é o nome de solteiro do marido e o pior casamento é o que dá certo. Ou: a beleza é a inteligência à flor da pele. Millôr fez do sarcasmo a arma para tripudiar com o mundo. Nada deixou escapar, nem a esquerda nem a direita, tendo dito que a diferença entre a uma e oura é que a Direita acredita cegamente em tudo que lhe ensinaram, e a Esquerda acredita cegamente em tudo que ensina. Não sei se Millôr ficará na eternidade como criador de frases, ou como humorista e teatrólogo. Mas, de sua obra se retira uma verdade: era provocante e nos desafiava a pensar. Não sei também se o pior casamento é o que dar certo. Talvez essa seja uma das verdades. Com certeza, "meu bem" é o nome de solteiro de muitos maridos, como também é de muitas mulheres. O decurso do tempo e o desgaste da convivência fazem com que o "meu bem" perca a sua força sensitiva, sendo substituído por outras expressões que representam a sua antítese.
A esperança, de fato, mata muitas esperanças, assim como o político prefere a versão ao fato. Tempos atrás, conheci um político, que atuou em nossa região, especificamente Imperatriz, que não se preocupava com o número de pessoas concentradas em seus comícios. Ele dizia sempre: - O importante não é o fato; é a versão do fato. E ressaltava convicto: - O que interessa é que a imprensa irá publicar no dia seguinte. Eu, à época, ficava um tanto perplexo. E me perguntava: - Por que isso? A resposta vinha na manchete da primeira página do dia seguinte. A foto que a ilustrava, registrava o aglomerado de pessoas que ficava bem em frente ao palanque, como se houvesse uma grande e expressiva quantidade de participantes. Era a versão do fato, que prevalecia. A mídia, a grande mídia, trabalha, na maioria das vezes, não com o fato, mas com a versão. Ou até mesmo despreza o fato, dependendo do interesse que esteja por trás desse fato. Isso é indiscutivelmente um fato.
Nem sempre a esperança é a última que morre, como sustenta o dito popular. A esperança é a última que mata. Segundo o nosso Coló, em os Bastidores, coluna de leitura diária obrigatória deste matutino, os novos prefeitos choram "por causa da situação caótica em que receberam as prefeituras". Ora, vejam bem, acreditar o contrário, que os municípios seriam entregues pelos não eleitos com as finanças saneadas é crer em marcianos, ou sonhar um sonho impossível. Em São Luís, Edvaldo Holanda está fazendo auditoria para descobrir onde foram parar os milhões de reais. No VLT, parece que não foi, porque, ao que tudo indica, o uso desse discutido meio de transporte foi cena esperançosa de campanha política, que terminou por não dar em nada. Em Imperatriz, houve reeleição, e ficou tudo como antes, apenas com algumas alterações de pouca significância. Quem dá as cartas é o prefeito, reeleito. Todavia, emerge uma interrogação, que aponta para uma esperança que pode ser a última que mata. A candidata Rosângela Curado, do DEM, partido em processo de cruel decadência, teve - sem sombra de dúvida - uma votação expressiva. Vejam bem: o prefeito Madeira, de quem gozo de amizade pessoal, teve apoio plural, envolvendo todos os segmentos sociais (sindicatos, igrejas, governo estadual etc.), mas, ainda assim, a candidata Rosângela, que, com todo respeito, saiu quase do nada, teve uma votação que a credencia para novos voos, além de que denuncia que existe uma camada social, bem expressiva, descontente com a administração municipal. Isso é um fato, muito embora não seja a versão. A versão do fato está na vitória, que às vezes tem a força de cegar os mais eruditos analistas das coisas da política.
O certo é que quase nada mudou. Leio nas nossas folhas diárias que os bandidos continuam explodindo os caixas eletrônicos, e, do outro lado, a nossa garbosa e dedicada polícia continua diligenciosa em fechar bocas de fumo. Não deixa esta missão de ser espinhosa. Já em letras garrafais, o noticiário de nossos jornais conclama que prefeitos e ex-prefeitos estão sendo rotineiramente condenados por desvio de dinheiro público. É a rotina. E também é o fato, sem versão.
Mas o que de fato mudou? - Eis a grande interrogação. Só a posse dos novos prefeitos e vereadores. Li que, em Senador La Rocque, o novo prefeito é Francisco Nunes. Confesso: fiquei embevecido. Conheci Chico Nunes como estudante de Direito, como advogado, como vereador e, agora, sem vê-lo pessoalmente, vejo-o, pelo noticiário, que assume a chefia do município em que o seu pai, o destemido Alfredo Nunes, dedicou grande parte de sua vida. Como nos ensina o jargão popular: é de pai para filho. Mas, ao lado dessa boa notícia, tenho conhecimento da morte de Washington Plácido, que o conheci muito antes da sua atividade política. Lembro que num caso, que não vale a pena fazer qualquer referência, fui seu advogado, e ele já demonstrava ser um homem de extrema dignidade. Deixou-nos muito novo. 52 anos. Há, infelizmente, uma fração de tempo que separa a vida morte, e esta, como diz Millôr, é compulsória. E nos impõe a fazer dos fatos a versão de toda a nossa vida. Minhas condolências a Sansão, ou melhor, ao Dr. Clidenor Simões, seu irmão.
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