Aureliano Neto*
Anúncio enfático, bem à vista, numa casa comercial, onde fui comprar alguns produtos para ludibriar a minha diabetes, que os entendidos também chamam de mellitus: “COMUNICADO – Informamos aos nossos clientes que não aceitamos cheques.” E, sem maior cerimônia: ponto final, sem sequer um reles sinal de exclamação. Vejam bem, com esses comunicados que se encontram espalhados por aí afora, o cheque chegou a essa situação de absoluto desprezo. Quase ninguém o quer. A justificativa plausível é que os comerciantes têm medo – na verdade pavor - da inexistência de fundos, que faz gerar os nefastos e tormentosos borrachudos. Cheque sem fundos sempre foi e continua sendo o drama nosso de cada dia – e esse lugar-comum é bem adequado para dar relevo aos incômodos e prejuízos causados a quem o acata sem nenhum cuidado. Mas, convenhamos, não era para chegar a essa situação de penúria, sendo ridicularizado por anúncios desse jaez. Um fim de vida de um instituto de priscas eras, mas que envelhece ante a tecnologia que impõe, com mais segurança, dizem, o uso dos cartões.
Vendo o efusivo comunicado, não insisti. Nem poderia fazê-lo, ainda que recorresse a alguma inaceitável referência ao Código de Defesa do Consumidor. Porém, não era o caso. Fiquei quieto e mantive guardado o meu talão de cheques, já que não tive o topete de desafiar os termos enfáticos do comunicado. Mas me lembrei que estava ficando démodé, porquanto, antes de deparar-me com o incidente acima, andando por São Paulo, fui a uma ótica para mandar fazer uns óculos. A atendente, que os vendera, me sugeriu efetuar o pagamento de uma das parcelas com cheque. Sempre ando com algum no bolso, e não na bolsa, pois não tenho hábito de carregar esse acessório que tem característica mais feminina que masculina, e, porque sou muito esquecido, deixo-a sempre em algum lugar. Diga-se, com o devido respeito, essa afirmação não tem o laivo do preconceito. Ainda assim, não tinha, no momento, cheque. Fui ao caixa eletrônico, na certeza de retirar um talonário. A resposta muda e incisiva da máquina fora negativa. Não podia, por qualquer motivo não suficientemente esclarecido, realizar a retirada dos cheques e cumprir com a minha obrigação. Busquei a salvação na agência onde tenho a conta corrente. Com muito custo, mesmo às duras penas, consegui extrair da máquina quatro cheques. Voltei aliviado e com satisfação incontida à ótica para emitir o cheque, predatando-o. Ainda bem que a sugestão da vendedora foi para receber a parcela em cheque. E cliente démodé, como ocorre comigo, faz rotineiramente uso, em plena vigência da informática, desse odiado título de crédito.
A bem da verdade, o cheque veio se desacreditando com o tempo. Mas não por si mesmo. Num determinado momento de sua vida, deu-se a ele uma conotação de suprema importância – era de fato muitíssimo importante -, sendo rotulado de acordo com a sua garantia de uso e aceitação no mercado. Ora fora denominado verde, se pertencente a uma instituição bancária, que adotasse essa cor com o patriotismo de nossa brasilidade, ora azul, se representasse a beleza de nossos céus, ou, ainda, ouro, como expressão de nossas contrabandeadas riquezas minerais. Ser possuidor de cheques com essas características dava status, com posição destacada na sociedade. Todo correntista queria tê-los, E viajar com talonário de cheque ouro não precisava levar nem carteira de identidade, ou integrar cadastro positivo. O comerciante não tinha a ousadia de expor ao ridículo essas espécies nobres de correntistas. Eram bem vindos e recebidos em tapete vermelho da certeza da garantia de que os cheques não retornavam com a mancha da insuficiência de fundos.
Os tempos foram mudando. Alguns inescrupulosos passaram a fazer mau uso do cheque, que também, pelo bom ou mau costume, deixou de ser uma ordem de pagamento à vista, para se transformar em titulo pré-datado, ainda com alguma esperança de provisão de fundos. Depois, pela força do hábito dos mais espertos, sempre a pensarem que todo mundo é besta, nem no pré-datamento o cheque emitido respeitou a existência de reserva de dinheiro para realização do saque. E começaram a proliferar os comunicados, mais ou menos assim: - Desculpe-nos, não aceitamos cheques. Assim mesmo, de forma seca, sem maiores arrodeios. Como havia insistência em fazer o pagamento não admitido, associou-se a expressão imperativa: - Não insista! Pronto, selou-se o destino fatídico do cheque, quanto a sua imprestabilidade como meio de pagamento, porquanto perdeu a confiança do mercado.
Por esses dias, fiquei surpreso com uma notícia, dada num site jurídico. Um rapaz fora indenizado porque fora acusado injustamente de furto de cheques. Refleti: meu Deus, ainda existe esse tipo de furto. Com certeza os cheques, objeto da acusação falsa de crime, deviam ter algum valor econômico, para gerar tanta confusão, que terminou por causar graves prejuízos aos acusadores da suposta vitima. Mas, vivemos a era dos cartões, tipo de título contratual, mais disseminado do que feijão na mesa de brasileiro. O uso do cheque virou interrogação: cheque? Pra quê?
*aureliano_neto@zipmail.com.br
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