Cauby são muitas canções. Eterno na arte de cantar, nunca haverá a última canção de Cauby. A morte anunciada do artista é um engodo. Coisa de materialistas, que creem que arte e o artista são mortais. Engano. Puro engano. 85 anos de quem nasceu com o destino do canto não se extinguem num só dia, numa só noite ou numa efêmera madrugada. Cauby, ao vir ao mundo, no primeiro contato com as estrelas, que o convidavam para a ribalta, vestiu o traje do menestrel e nos encantou cantando canções que nos embalaram nas nossas alegrias e nos raros momentos tristezas. Como diz o poetinha Vinícius de Moraes, no Samba da Bênção, é melhor ser alegre que ser triste, alegria é coisa melhor que existe, assim como a luz do coração. Cauby optou pelo canto da alegria, pela luz do coração e fantasiou-se nas fantasias de tantas canções, e saiu por aí nos convidando a dançar, a bailar, a viver, como uma força estranha que o levava a cantar, sem parar, um canto estranho, com uma voz tamanha, que não silenciará e continuará a sussurrar todos os cantos, em todos os ritmos, com todas as vozes que interpretou o canto nativo e o que aqui aportou vindo de terras distantes.
Por isso toda essa força estranha, imperecivelmente estranha, que o leva a cantar. Por isso essa força estranha no ar. Por isso o seu canto não pode parar. Por isso essa voz tamanha, eternamente tamanha. Desculpe, Caetano, por apropriar-me neste texto dessa força estranha. Cauby soube transportar essa sua imortal canção na sua voz tamanha, eternamente tamanha. Daí a total impossibilidade da morte dessa voz tamanha.
São muitas as canções. Cauby imortalizou todas, como Luzes de Ribalta. Nunca num ritmo único. É múltiplo, com a capacidade vocal de, lá no início, cantar Conceição, um samba-canção de 1956, para, mais recentemente, em 2015, interpretar a bossa nova, produzida por Tom Jobim, João Donato, Eumir Deodato, Johnny Alf e Marcos Valle, como Eu e a Brisa, Samba do Avião, Wave, Apelo, Preciso Aprender a Ser Só. Bastidores, música de Chico Buarque, que tem sua interpretação definitiva. Cantou bolero, samba-canção, samba samba (sem firula), rock, balada, fox, choro, as canções de Roberto e Erasmo, os sucessos de Frank Sinatra, como My Way, New York, New York, a Serenata do Schubert, numa interpretação lindíssima, nada devendo a Maria Callas, essa grande soprano que assombrou o mundo e imortalizou-se pela arte de cantar as mais exigentes óperas.
Para quem se interessar, algumas dessas canções imortalizadas por Cauby: Conceição, de 1956, que atravessou o tempo, Ninguém é de Ninguém, de 1960, um bolerão daqueles, de dançar coladinho, com todos os exageros dos nossos dias, mas compreensíveis, Bastidores, acima referida, um bolero de Chico, de 1980, É tão Sublime o Amor, fox, de 1956, Nono Mandamento, samba-canção, de 1957, A Noiva, balada, de 1961, A Pérola e o Rubi, fox, de 1955, Blue Gardenia, fox, de 1954, Tarde Fria, samba-canção, de 1955. E outras e outras e muitas outras, como Lencinho Branco, tango, sucesso com Dalva de Oliveira, rivalizado na interpretação de Cauby.
Neste momento em que finalizo esta croniquinha, para lembrar Cauby, que nunca deveria ter sido esquecido, estou ouvindo uma de suas canções em dueto com Ângela Maria – Recuerdos de Ypacaraí. Ângela foi uma das suas companheiras de canto em alguns momentos fundamentais na sua vida artística. Como registro, há um excelente CD, gravado pelos dois, ao vivo, em 1992, no Imperator, uma casa de show no Méier, do Rio, com as interpretações inesquecíveis de vários clássicos brasileiros e internacionais como Onde Anda Você, Começaria Tudo Outra Vez, A Pérola e o Rubi, Lábios de Mel, A Noiva, Babalu, Ave Maria no Morro, New York, New York, Gente Humilde, sendo esta a canção que Ângela declarou que gostaria de ser lembrada. Trata-se de uma das obras-primas da música popular brasileira, cuja melodia foi deixada pelo compositor e violonista Garoto. A letra foi elaborada por Chico e Vinícius. São versos absolutamente eternos, que contrariam os limites da finitude do poeta do Dia da Criação.
Deixemos Chico e Vinícius e voltemos a Cauby de Tarde Fria (Sozinho espero / Só você, que vem / Eu quero), de Ninguém é de Ninguém (Na vida tudo passa / Ninguém é de ninguém, até que nos abraça / Não há recordação que não tenha seu fim / Ninguém é de ninguém, o mundo é mesmo assim), ou o Cauby de Matriz ou Filial, Escândalo, Luzes da Ribalta, Carolina, Perfídia, Ronda, Nono Mandamento e, reatualizando-se com a linguagem dos nossos tempos, de Codinome Beija-flor, de Cazuza. Esse é, em rápida pincelada, o imortal Cauby, a força estranha, com uma voz tamanha, que não para de cantar. Por isso, Cauby, Cauby, o teu canto que não pode parar.