Foi num carnaval que o Pierrô se apaixonou por uma Colombina e acabou chorando, chorando. E é no carnaval que o amor desaparece na fumaça, já que saudade é coisa que dá e passa. Mas o carnavalesco não deve desanimar, porque carnaval é carnaval. A experiência de muitos carnavais nos recomenda a seguir o que fez a Colombina: entrar num "butiquim", beber, beber e sair assim, assim. O Pierrô apaixonado que vá tomar sorvete com o Arlequim. Saudade é coisa que dá e passa. Para não se amofinar e vencer os três ou mais dias, o melhor da história é pegar no ganzê. E lá vem Portela com Pixinguinha e seu Natal. E vamos nessa, aproveitando o rio está passando em nossa vida.

Mesmo assim, com todas essas intempéries sentimentais, há gente que passa o ano inteiro se preparando para o carnaval, que alguns desavisados teimam em chamar de festa profana. Confesso que não sei bem se é profana, até porque o que a caracteriza é o viver de forma livre a liberdade de cantar e dançar. Até porque, mesmo proibido, olhai por nós! Nos disse Joãosinho Trinta. Mas é certo que o homem se transmuda em roupagem de mulher. O que não é grande novidade, mesmo em tempos não carnavalescos; é rotina. Bem, deixa isso pra lá. Existem outros que preferem dar uma definição metafísica ao carnaval. Uma colunista de um dos nossos jornais assim definiu essa popular festa: "O carnaval é uma marca indelével do nosso Brasil." Confesso, mais uma vez, que não entendi o indelével, porém concordo que o carnaval é uma marca desta Terra da Santa Cruz. Embora não tenha andado pelo mundo, até porque não passei da Argentina, pelo que tenho lido, não há festa de carnaval, em qualquer outro país, que consiga superar o arroubo e o brilho da do Brasil.
A ideia de carnaval nos leva à concepção de folia, folguedo, alegria, escola de samba, desfile e outros ingredientes que fazem o tempero gostoso da intemperança da folia. Porém, há pouco tempo, fez-se uma relação íntima dessa popular festa com a camisinha, que já serviu de fantasia para um hipotético Bráulio. E o pior de tudo: é que Bráulio não gostou da fantasia. Enfatizou: - Com ele não. Preferia enfrentar o desafio ao vivo que vestir-se com a tão divulgada camisinha. Em que pese a resistência, à época, de Bráulio, carnaval sem camisinha, dizem os mais precavidos, pode levar o folião mais afoito a deixar de lado a fantasia do certo pelo prazer da dúvida, ao ser provocado pela fraqueza da carne. Brincar carnaval sem camisinha é optar pela dúvida de todas as peripécias quando chegar a quarta-feira de cinzas. E aí não adianta o arrependimento tardio. O mal tá feito.
Carnaval é canto e a muitos encanta. Já outros preferem o acomodar-se num recanto, cantando outros cantos. Em que pesem essas ambivalências, canta-se no carnaval e também se canta o carnaval.
O poeta Chico Buarque não deixa de nos alertar que o carnaval é desengano, porquanto o folião deixa a dor em casa lhe esperando, porém brinca e grita e sai vestido de rei. No final, "quarta-feira sempre desce o pano". Mas o poeta Chico não desanima, quanto ao "sonho de um carnaval", e fala da esperança de gente longe que viva na lembrança, de gente triste que possa entrar na dança e de gente grande que saiba ser criança. Não tenho dúvida de que o poeta Chico está certo, pois o carnaval tem essa força imanente e transcendental de fazer toda essa gente grande ser criança, no fervor da alegria de viver o esplendor do seu canto e da sua dança, sem esquecer que quarta-feira sempre desce o pano e a plateia se recolhe.
Também Vinicius de Moraes não deixou por menos, ao nos alertar que a tristeza não tem fim, felicidade sim, e, ao mesmo tempo, faz referência à felicidade do pobre, que parece a grande ilusão do carnaval, quando esse pobre trabalha o ano inteiro por um momento de sonho, para fazer a fantasia, de rei ou de pirata ou de jardineira, e tudo se acaba na quarta-feira. Vinicius faz alusão à felicidade do carnaval, limitada no tempo e no espaço, já que o pobre vive o seu momento de sonho, fantasiando-se de rei, para acordar na quarta-feira, quando desce o pano e a alegria desaparece na penumbra de uma imensa e agradável ressaca. É o carnaval, que tem o dom e força de contaminar a todos nós, ainda que alguns antifoliões tenham de recorrer a um retiro espiritual na busca da ajuda divina para escapar dessa monumental festa dita profana. Assim, profanemo-nos no carnaval, mesmo que rezando ou orando, ou ainda cantando e dançando. No fundo, tudo é carnaval, numa rede balançando, na rua, na praça, na avenida colorida e iluminada, com fantasia ou sem fantasia, com chuva ou no calor escaldante do asfalto, nos salões, em casa, na biblioteca, em todos os recantos. Enfim, liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós e faça do canto da folia a voz da igualdade. É isso: no carnaval, celebra-se a igualdade. São só três dias. De folia. E algumas sobras. Não vou perder tempo. Mesoclisicamente, meter-me-ei num fofão e sairei com uma máscara tão horrenda a desafiar a gravidade. E seja tudo o que Deus quiser.

* Membro da AML e AIL.