Nesta conversa, o coronavírus entra de intrometido que é, até porque hoje é a grande vedete do noticiário, daqui e além Tejo. Mas, quem sabe: esse transmissor de um mal perigoso e, em alguns casos, fatal não venha nos dar um recado de que todos são iguais perante a sua força destrutiva. Ricos e pobres não estão imunes a tê-lo passeando mortiferamente pela corrente sanguínea desse nosso frágil corpo. Bem. Que fique claro: não quero desejar o coronavírus a ninguém. Longe, e bem longe disso, estou de joelhos rezando, e rezando muito, para que as cabeças pensantes dos nossos cientistas encontrem uma solução de combate a essa praga que vem inquietando e devastando o mundo rico e mundo pobre. Os ex-comunistas chineses que o digam. De uma hora pra outra, construíram um hospital de proporções invejáveis para atender aos seus doentes contaminados. Estão combatendo o bom combate. Ainda bem que, segundo os experts em assuntos econômicos e políticos, como é inglês Thomas Piketty, autor do best-seller O capital no século XXXI, a China não é mais comunista, porquanto, conforme afirma na sua coleção de crônicas Às urnas, cidadãos!, “desistiram (os chineses) de toda tentativa racional de redução da desigualdade por parte do poder público”. Nessa concepção, a China, e evidentemente os nossos queridos chineses (que diga a 25 de Março, em São Paulo), deixaram de ser comunistas e Roosevelt, do New Deal, que, na depressão de 1929, criou o salário mínimo federal, assumiu a bandeira histórica de socialista. Quem diria, hem?!

Logo que possível, volto ao assunto sobre essa celeuma ultrapassada a respeito de conceitos existenciais referentes a socialismo, comunismo, democracia e Estado de direito. Trata-se, convenhamos, de tema exaurido ao extremo por nossos estudiosos – pensadores políticos -, e isso, resumindo-se, desde Locke e Tocqueville. O liberal francês, em visita à Inglaterra, à época do Manifesto do Partido Comunista, ficou tão traumatizado com o contraste entre a miséria das massas e a opulência de uns poucos, que previu o perigo de sublevações de “escravos”, semelhantes às ocorridas na Roma antiga. Enquanto o inglês chega a afirmar, ante esse conflito desumano, que “a maior parte da humanidade tornou-se escrava”.

Noam Chomsky, pensador liberal norte-americano, autor de várias obras que discutem não só a linguagem, mas o exercício do poder em suas mais variadas dimensões, traz algumas questões no livro Sistemas de poder, no qual é entrevistado por David Barsamian. Num primeiro momento, trata da guerra do Vietnã, que teve seu começo na década de 1960, no governo de Kennedy, o qual determinou, num típico crime contra a humanidade, a utilização de produtos químicos altamente destrutivos, para trucidar os vietnamitas – mulheres e crianças -, além de devastar a cobertura vegetal e as colheitas. Hoje, essas atrocidades caíram no esquecimento. A lembrança seletiva é só, entre outras amenidades, a conquista da lua.

 Segundo Chomsky, os Estados Unidos foram fundados como império. Jefferson previu, afirma Noam: as tribos “retrógadas” da fronteira “voltarão à barbárie e à miséria, diminuirão em número pela guerra e pela necessidade, e seremos obrigados a tocá-las, com os animais da floresta, para as Montanhas Rochosas”. Assim, fundados sob a bandeira do imperialismo, os Estados Unidos têm o espírito do colonizador, não concedendo favores, mas impondo o seu capitalismo rentista, que pula de galho em galho, a depender dos recursos a serem explorados. Nada vem de graça. Quem pensar dessa forma, engana-se redondamente. A solidariedade do capital é o lucro. Essa é a regra pétrea. O resto é conversa pra besta, que perde a sua liberdade de pensar, por estar escravizado pelo sistema de propaganda que é diariamente vendido ao consumidor desinformado.

Chomsky, citando Bob Marley, o famoso astro do reggae, que cantava “Emancipe-se da escravidão mental”, diz que “é verdade, quando as pessoas quiserem ter liberdade suficiente para não serem escravizadas ou assassinadas ou oprimidas, desenvolveram-se novos modos de controle, que tentaram impor formas de escravidão mental, para que elas aceitassem um quadro de doutrinação sem fazer perguntas”. As idéias nazistas foram disseminadas e implantadas com essa intensa doutrinação, escravizando mentalmente um povo que seguiu o Führer até a morte, e ainda, pasmem!, há aqueles que as seguem como se fosse um catecismo pessoal . Em resumo: a escravidão mental é mais grave do que outras espécies de escravismo, embora toda escravidão seja uma negação do ser humano como pessoa. Impõe-se a todos uma necessidade de pensar, para não sermos vítimas da dessa cruel escravidão. Ler – e não apenas passar os olhos – pode ser a solução, embora recorrendo  ao poeta Drummond, não seja uma rima.

  • Membro da AML e AIL.