Sei, por deduções óbvias, que uma boa parte, senão a totalidade, da turma do "golpeachment" do recentíssimo ano de 2016, que integra a chamada elite do atraso, na coerente e atual acepção do sociólogo, filósofo e psicanalista Jessé Souza, está ruminando impropérios contra os caminhoneiros e, por extensão, aos seus empregadores. A frase em epígrafe muito apropriadamente é do presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos. Vejam bem: quem já andou pelas estradas desse imenso Brasil, sabe o quanto esses homens e mulheres sofrem transportando carga de um lugar para outro. Muitas vezes, carregando consigo a família, numa atividade nômade, para ganhar o pão de cada dia. Param para comer e fazer um breve descanso em postos de combustíveis, e, quando o sol arrefece, saem pela estrada, guiando a noite toda para entregar as preciosas cargas. Muitos deles, além de ter que manter a família com dignidade, com o que ganham, ainda têm que pagar as prestações do financiamento bancário do caminhão, sob pena de serem vítimas de ação judicial de busca e apreensão e ficar a ver navios, sem eira nem beira. São esses caminhoneiros, trabalhadores como qualquer um de nós, que lutam pela sobrevivência, dia e noite. A nós privilegiados cabe a felicidade de usufruir dos produtos que nos chegam de longas distâncias, transportados por esses trabalhadores incansáveis. A nossa elite nunca entendeu isso, nem vai entenderá, jamais. É só ler a nossa história, a partir de 1500. O seu espírito, com raras exceções, é de escravocrata, haja vista o patrocínio dessa crueldade, rotulada de reforma trabalhista, em que consagrados direitos foram vilipendiados, para atender a outros interesses, a partir da Avenida Paulista e et caterva.

Até aí, tudo vai mal. Mas pasmem! O presidente do TST, que aqui não vale a pena citar o nome, um dia ele passará e ninguém saberá quem ele foi na vida, defendeu, através da nossa mídia conservadora, essas agressões, denominadas de reforma, perpetradas pelo desgoverno Temer.
O golpista do Planalto, que só dialoga com as suas mãos, e a cada palavra, dita para si mesmo e para o seus áulicos, esfrega uma na outra, veio a público, como vassalo da elite que o entronizou equivocadamente, para dizer que o governo (que governo?) terá coragem de exercer a sua autoridade. Outra perguntinha: que autoridade? E chamou as Forças Armadas para combater os nossos desarmados caminhoneiros, que estão exercendo um direito fundamental, que consiste em reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, para defesa do seu sustento e de sua família, além de lhes ser assegurado o direito de greve. Caso haja abuso no exercício desses direitos constitucionais, será feita a apuração, respeitando o devido processo legal, que se constitui também em outra garantia prevista na Constituição Federal. Mas o nosso Supremo Tribunal, que, há muito, deixou de ser colegiado, decidiu pelo uso da força, acolhendo pedido de medida cautelar, sendo a decisão prolatada por um dos seus ministros. Como é contra trabalhador, exala (este verbo me veio de supetão) um silêncio com odor tumular.
Em contrapartida, algumas vozes se manifestaram. Como as pessoas, em sala de espera e até mesmo em mercado de peixe, só vê a Globo e só leem a notória Veja, é de bom alvitre levar ao conhecimento de nossos poucos leitores esses posicionamentos. Vejamos (por favor, nada a ver com a Veja): o ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto, disse: "Quando se esquece que a prioridade é o encurtamento das distâncias sociais, desgringola. Estômago vazio tem pavio curto." Verdade, ministro, nem as Forças Armadas conseguem debelar a revolta de famintos. No século XVIII, na era do Iluminismo, em 1789, os famintos enraivecidos derrubaram a Bastilha, resultando numa das maiores revoluções que o mundo conheceu, a Revolução Francesa. Os franceses, com a revolução de 1789, consagraram, na prática, as ideias de liberdade e igualdade, assentadas no individualismo liberal, ainda que o Iluminismo que serviu de sustentação e de fundamento da revolução, não consistisse num elaborado sistema de unidade de pensamento. Pelo menos, não seguiram o conselho de Maria Antonieta, que os mandou comer brioche. No fim, a austríaca foi decapitada, embora tenha enfrentado a guilhotina com a imponência de uma rainha.
A Folha de São Paulo foi mais contundente, atirando pra todos os lados. Não escapou nem o queridíssimo príncipe FHC. Vamos ao que diz a FS: Esta não é a primeira vez que caminhoneiros aproveitam a fraqueza do governo de turno (destaque meu) para impor perdas a toda a sociedade com greves truculentas." Em seguida, o editorial faz referência a 1999, no governo de FHC, quando este definhava sem popularidade. Conclui o editorialista e ressalta que se trata não de greve, mas de um levante. Pois bem. Quando os bancos sobem os juros, é imposição do mercado. Quando os empresários não empregam, substituindo a mão de obra por tecnologia, é modernização, embora um dos direitos sociais do trabalhador, assegurado na Constituição, seja a sua proteção em face da automação. Sigamos. Quando o empresário estoca, sonegando os produtos do mercado de consumo, é a lei da oferta e da demanda. E, quando tributos são sonegados, a justificativa, com aplausos gerais, é de que o Brasil tributa em excesso.  Aí o tão decantado pato, quem paga, não é a turma da Fiesp, é o trabalhador, que, quando se manifesta contra a situação, é abuso, é levante. Vai chegar o momento (espero que não) que famintos e doentes farão o seu "levante", e Temer, ou qualquer dos seus vassalos, não precisa nem mandar as Forças Armadas, bastam os carros funerários. E tá resolvido o impasse.

* Membro da AML e AIL.