Quero acentuar, nesse início de conversa dominical, que a questão referente à violência está ocupando a mídia (impressa, radiofônica e televisiva) de uma maneira mais reflexiva, sendo objeto de inteligentes debates, como o que ocorreu na TV Brasil, infelizmente ainda não alcançando a televisão aberta, que se limita apenas a divulgar, com sensacionalismo, os mais hediondos crimes, dando ênfase às macabras descrições de suas práticas, ou à pessoa do perigoso delinquente. O fenômeno da criminalidade não é uma apropriação da sociedade ou do Estado brasileiro. Não. Está a contaminar outros países, tidos de alto índice de desenvolvimento não só econômico, mas cultural e educacional. Nos Estados Unidos (EUA), faz poucos dias, um atirador invadiu uma universidade de Oregon, fez disparos de uma potente arma de fogo e deixou um saldo de mais de 10 mortos e o dobro de feridos. Nota esclarecedora desa violência: Oregon é um dos estados norte-americanos que permitem a entrada no campus das universidades de alunos portando armas de fogo, proibindo apenas dentro dos edifícios. O atirador se encontrava com quatro armas, sendo três delas de pequeno porte, e ainda ostentava um colete à prova de balas. Assim, estava determinado para tudo, motivado ou por algum desequilíbrio mental, ou por fundamentalismo ideológico.

Faço uma ligeira leitura do livro O Nível – Por que uma sociedade mais igualitária é melhor para todos, de Richard Wilkinson e Kate Pickett. Detive-me no Capítulo 10 – Violência: a conquista do respeito. Os autores, que têm estudo na área da história, da antropologia e da epistemologia, concluíram que “um trabalho consistente mostra uma relação clara entre maior desigualdade e taxas mais elevadas de homicídio”. A dizerem: desigualdade de renda e crimes violentos têm uma ligação positiva, pois numa sociedade, conforme aumenta a desigualdade, aumentam os crimes violentos. O estudo de Richard e Kate conclui que as taxas de divórcio são mais elevadas em municípios americanos mais desiguais. Entretanto, há um paradoxo negativo dos filhos criados sem pais, que assumem comportamento caracterizado pelo desvio de desequilíbrio, com geração de maior ênfase à competitividade, para se superarem.
Conclusão: as sociedades mais desiguais são as mais violentas. O equilíbrio tem fundamento na vida familiar, na escola, na vizinhança e na competição por status. Pode-se, assim, afirmar que a vinculação entre desigualdade e violência é essencial e coerente. E foi demostrada em muitos períodos de tempo e locais diferentes. A sociedade, antes de eleger o assassinato do infrator como solução da criminalidade, deve lutar para reduzir drasticamente a desigualdade que a contamina com o vírus que contribui para o aumento da morte física ou do encarceramento, que não deixa de ser uma morte provisória de natureza civil, pois a eliminação da liberdade, atributo essencial da dignidade da pessoa humana, a destrói, ao retirar compulsoriamente do preso o exercício pleno de sua vontade.
Essa seria uma equação verdadeira, que, ao ser aplicada, evitaria a intervenção desagregadora e nefasta da polícia, quando provocada para intervir: na medida em que a desigualdade, por uma série de medidas profiláticas, sendo diminuída, os níveis de violência tendem a cair. Reduzindo ou extirpando a desigualdade, a violência, simbolizada pela criminalidade mais ostensiva, tende a cair para índice suportável de convivência.
Os estudos estatísticos indicam que a violência é uma preocupação na vida das pessoas. Em O Nível, obra aqui citada, retiram-se esses dados: “Nos mais recentes levantamentos sobre a criminalidade britânica, 35% das pessoas declaram estar muito ou razoavelmente preocupadas com a possibilidade de ser vítimas de assalto, 33% temiam assalto físico, 14% se preocupavam com estupro e 13% com violência motivada por questões raciais. Mais de um quarto das pessoas que responderam declarou estar preocupado com a possibilidade de ser ofendido ou incomodado em público”. Ao lado disso, há ainda a violência decorrente da agressividade antissocial, sob o argumento do exercício da liberdade de crítica, quando a pessoa, menos preparada para o salutar exercício da cidadania, numa linguagem de menoscabo, insulta um povo, uma etnia, uma opção sexual, o exercício de uma religião, ou, ainda, nesse caso, impõe a sua concepção religiosa em ambiente público, como tem ocorrido em lojas, supermercados. E a sociedade, ultimamente, tem perdido um pouco, ou mesmo muito, a noção de civilidade. Embora numa visão consequencialista a justiça consista em dar a cada um o que é seu, ainda assim, não se pode dar ao miserável a miséria, nem ao desgraçado a desgraça, nem ao escravo a escravidão. Garante-se a igualdade àquele que é igual, e dá-se ao desigual a igualdade, tratando-o com igualdade na medida da sua desigualdade, para que seja alcançada a igualdade substancial.
O Estado deve seguir esse postulado. A não ser através de um julgamento justo, firmado no devido processo legal, não pode fazer justiça pelas próprias mãos, porque, assim o fazendo, teremos, não só a concretização da mais cruel injustiça, como a prática hedionda do extermínio dos menos iguais.