Dizem os entendidos em viver que a vida é breve. É... O tempo passa, porém nem tão rapidamente. Mas, se não fosse o tempo, não construiríamos a eternidade. Em cada dia vivemos o primeiro dia de nossas vidas. Na minha empírica concepção, se amamos, a vida é mais eterna; se odiamos, é tão curta quanto longo é o nosso ódio. Sonhamos sonhos que nos conduzem aos céus. Nem por isso, deixamos de ter pesadelos. A sabedoria popular nos diz que o bom e mau tempo estão dentro de cada um nós. Amar é um dos maiores elixires para manter-nos cada vez mais jovem. Já odiar, não ter a força de conceder o perdão, é, como também afirma a sabedoria popular, engolir uma colherada de veneno a cada dia, imaginando que isto fará mal ao inimigo. Não precisamos de tanto para sermos felizes. Basta que olhemos as aves do céu e os lírios do campo. Exalam felicidade e beleza. Nessas virtudes, está o poder que Deus lhes outorga. Em Ecl.,3,1, está dito que para todas as coisas há um tempo certo debaixo dos céus. O tempo nos convida a sair do lugar, caminhar, ir adiante, até que se chegue ao ponto final quando a nossa eternidade finda. A eternidade está justamente no ato de viver a vida com toda intensidade. Talvez seja por isso que Bertold Brecht tenha dito que é melhor temer menos a morte e mais a vida insuficiente. Com razão Shakespeare, ao afirmar que nossas vidas são tecidas pelo mesmo fio de nossos sonhos.
Sonhemos, pois, e vivamos por toda a eternidade que o tempo nos concede.
Como eternos, Boechat viveu todos os seus sonhos para realizar-se como jornalista. Eu o conheci no comecinho, quando ele era repórter do Diário de Notícias, no Rio, cuja sede ficava localizada num velho prédio da rua Riachuelo, nas proximidades dos Arcos da Lapa. O jornal ainda era feito a quente. Havia ainda clicheria. E uma vasta sala, onde, em cada mesa, encontrava-se uma máquina de datilografia, que o repórter, quer da reportagem geral ou especial, fazia uso para compor a sua matéria. Chegava-se cedo, para receber do pautista os temas considerados importantes, que seriam levantados pelo repórter. Feitas as matérias, eram entregues ao secretário da redação, que, examinando-as, fazia o encaminhamento para os editores, que realizavam o trabalho de copidesque, distribuindo-as nas páginas de acordo com a importância e a qualidade da notícia.
Boechat era um desses repórteres. À época, pelos anos 70 e 71, ele também trabalhava para o jornalista Ibrahim Sued, que tinha uma coluna no jornal O Globo. Normalmente, o jornalista desse tempo exercia a sua atividade em, no mínimo, dois órgãos de imprensa. Era o caso de Boechat e de outros companheiros que trabalhavam para O Jornal, ou O Dia, por exemplo. A vida para o jornalista era bastante difícil. Nosso conterrâneo, Lago Burnet, vivia essas dificuldades, porquanto havia saído do Jornal do Brasil e estava em litígio judicial com o JB.
Por esse tempo, além de bem jovem, Boechat tinha boa quantidade de cabelos. Encaracolados e mais para fogoió. Era uma pessoa alegre, sempre com frases de um humor sadio e sarcástico. Um homem inteligente. Tanto que teve uma trajetória brilhante, tendo integrado os principais órgãos de comunicação de massa do país, prestando um serviço de excelente qualidade.
Hora e outra, nos reuníamos na cantina do DN, para almoçar ou fazer algum lanche, e Boechat gostava de se aproveitar das tiradas inteligentes de Lago Burnet e fazer comentários hilariantes. Já a essa época, até porque era repórter de Ibrahim Sued, era muito respeitado pela redação e muito considerado pelos companheiros. Tinha um bom texto. Entregue, sequer era corrigido, indo diretamente ao setor de editoração.
Um cacoete de sua pessoa, talvez insignificante, consistia no fato de que, ao entrar na redação, vinha sempre com o paletó segurado na ponta do dedo e jogado nas costas, falando alguma coisa que considerava interessante, ou marcada pela controvérsia.
Bem. Tenho gravado na minha mente a sua figura de jovem jornalista que lutava para se afirmar no mercado da comunicação. E a sua luta foi coroada de êxito. Era um jornalista opinativo. Tinha a extrema responsabilidade de trabalhar com a notícia, comentá-la, expondo-se e fazendo a cabeça de muita gente. A sua ausência fará falta. Lutou o bom combate. Saiu da redação, carregando nas costas o seu paletó e o segurando, de modo desleixado, com a ponta do dedo. Os cabelos encaracolados ficaram lá no começo de tudo. Que Deus o receba e o ponha ao lado Samuel Wainer e Lago Burnet. Logo estarão fazendo um jornal das coisas divinas, com furos, reportagens e opinião.
* Membro AML e AIL.
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