Aureliano Neto*

O título acima não é de minha autoria. Muito longe de ser. E gostaria tanto que fosse, até porque a frase é muito citada em várias circunstâncias, dependendo da situação vivenciada. A frase é do poeta e dramaturgo siciliano Luigi Pirandello, grande inovador do teatro, autor da peça Seis personagens à procura de um autor, encenada em todos os palcos do mundo. Mas, o que me chamou a atenção não foi o criador da frase, porém a própria frase em si, que denota certa ambiguidade. Se fizermos a inversão, teremos: se lhe parece, assim é. Assume um sentido individualista, porquanto aquilo que, num primeiro momento, parece, para algumas pessoas passa a ter foro de absoluta verdade, pois assim é, se lhe parece. Evidente que a sentença ora em exame está fora do contexto. Talvez, no âmbito do contexto, possa se retirar outra acepção, que se distancie dessa conclusão paradoxal.
O Bem-Amado, todos sabemos, foi uma série da televisão brasileira, que, nos anos 70 para 80, fez grande sucesso. Sucupira era a cidade, ao mesmo tempo tão regional quanto universal, tendo como prefeito o famoso e folclórico Odorico Paraguaçu, assessorado pelo devotado Dirceu Borboleta e apoiado pelas irmãs Cajazeira (Doroteia, Dulcineia e Judiceia, todas à época com acento agudo na vogal "e"). Não se perdia um capítulo. Lembro: saía apressado do Campus II da Universidade Federal do Maranhão para deleitar-me com as intrigas tão bem contadas por Dias Gomes. De todos os episódios, destaco um que me parece bem atual. Odorico Paraguaçu, que não zelava pela moralidade, mantinha relações íntimas com as irmãs Cajazeira, e o programa predileto eram as sessões de "jenipapo", ou seja, as reuniões para bebericar o famoso licor de jenipapo. E coisa ia assim. Ora com uma, ora com outra. Uma das irmãs, Dulcineia, engravida de Odorico, embora estivesse de namoro com Dirceu Borboleta. Dulcineia procura o prefeito para dar-lhe conhecimento do fato: - Sim! Vamos ter um bebê, disse-lhe. Odorico: - Mas como foi isso? Dulcineia: - Da maneira mais natural possível, Odorico. Ou melhor, da única maneira como os humanos se reproduzem. Odorico levanta a hipótese de que o pai é seu Dirceu. Dulcineia nega: - Dirceu nunca relou um dedo em mim. Um único beijo e, que eu saiba, beijo não engravida ninguém. Odorico enfático: - Mas foi ele. Como assim?, indaga. A resposta vem de imediato: - Precisa ser ele. Isso pode abalar com o meu mandato. A oposição vai dizer que eu desvirtuei uma donzela praticante e juramentada. E conclui Odorico, com a sua lógica pragmática: - A vida é aquilo que nós acreditamos que seja.
Pois é: assim é, se lhe parece. Se se quer e parece ser, é; a dúvida, ainda que relevante, deixa de ser e se transforma em verdade.
O Bruxo do Cosme Velho, aqui sempre citado, na advertência que faz no introito de sua obra Papéis Avulsos, manifesta a dúvida sobre a verdade a que se refere, afirmando que "a verdade é essa, sem que seja essa". Isso a nos dizer que a verdade não é absoluta, podendo ser relativizada, dependendo dos elementos circunstanciais e da posição ideológica de cada pessoa. Meu avô era adepto inarredável da verdade. Não admitia a mentira, ainda que o beneficiasse. Preferia os transtornos da verdade que os benefícios da mentira. Deixou-me esse ensinamento, que me acompanha por todo esse tempo de vida que Deus me permitiu viver. Cristo acentuava que Ele era o caminho, a verdade e vida. Então, a verdade não está apenas nas lições dos evangelhos, em ler e interpretá-los, mas em vivê-los. Nisso, a concepção de vida e de verdade.
Por que trato desse tema? É apenas uma introdução, nariz de cera para ir ao âmago do assunto. Verdade, se assim é, se lhe parece, ou, se quiserem, se me parece. Muitos, talvez nem tantos, estão a acompanhar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Penal n.° 470, denominada midiaticamente por "mensalão". Do embate têm decorrido várias verdades. A verdade de quem quer, arduamente, a condenação; a verdade de quem entende que não há provas para um decreto condenatório; a verdade que fica num meio termo: há condenações e há absolvições, ou seja, nem tanto ao mar, nem tanto à terra; e a verdade de quem não está nem aí para o que der ou vier: as decisões do julgamento não vão operar qualquer modificação na sua vida. Tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes.
Mas um fato me inquietou. Mas, advirto, pode essa inquietação decorrer não de uma verdade factual, porquanto apenas ouvi dizer e vi as fotos estarrecedoras publicadas em jornais. No momento dos debates no plenário do STF, quando um dos advogados apresentava a sustentação oral em defesa de um dos acusados, dois ministros (Joaquim Barbosa, relator da ação, e Gilmar Mendes, notabilizado pelas suas polêmicas extra-autos) estavam num profundo inacordável sono, que a contemporizadora mídia pátria denominou eufemicamente de relaxamento. Vejam bem, no exato momento, em que se é feito o maior julgamento da história da república brasileira, juízes da Suprema Corte, em sono profundo, estão alheio ao sagrado direito de defesa. Mas... E mais outro mas. O ministro Marco Aurélio, do alto do Olimpo, em entrevista dada à imprensa, sepultou o sistema probatório. Ao lhe ser indagado sobre a prova cabal (a que não deixa dúvida ao julgador), foi incisivo: "Só se você partir para escritura pública!" E enfatizou: "O que vão querer em termos de provas? Uma carta? Uma confissão espontânea?" Não, não é bem isso, ministro, se assim pode lhe parecer. O que o mundo jurídico quer, já que superado o sistema ordálio e inquisitorial, é que haja provas dos fatos que venham a constituir a pretensão punitiva do órgão acusador e dos fatos obstativos de quem se defende. Assim, pode-se chegar a uma possível verdade, se assim é, se lhe parece.

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