Sem o mínimo pejo, responderia o assediador, paquerador ou importunador: - Depende de quem! Ou seja, vai depender do outro ou da outra, como esse outro ou essa outra irão receber a "cantada", ou o leve roçar da mão ou da perna. Bolsonaro, por exemplo, seria mais direto na resposta - até porque tá na moda como presidenciável - e usaria seus recursos de importunador para comer gente. Pelo menos, foi o que ele disse numa entrevista que deu à Folha de São Paulo. Deve ser um exímio paquerador, embora fazendo o indevido uso do auxílio-moradia da Câmara Federal para suas necessidades antropofágicas. Quando chegar a presidente, terá à sua disposição dois palácios para matar a sua fome, até porque, em termos de magia com dinheiro público, soube ser um excelente parlamentar, que, associado aos filhos: multiplicou o seu patrimônio em milhões. Mas deixemos Bolsonaro de lado. Não é bem ele quem interessa, conquanto o pessoal agora deu pra ficar no pé dele, disseminando mexericos indesejáveis.
A propósito, lembro que no princípio era o verbo, e o verbo, nos tempos atuais, se fez carne, e está aí a criar uma celeuma daquelas.
Vejam bem: o namoro (falo de namoro mesmo!) de uns tempos atrás tinha um início frugal, sem grandes avanços. O assediador, paquerador ou importunador mandava, por um intermediário de confiança, um bilhete, declarando, de modo contido, até mesmo vergonhoso, a sua intenção de se encontrarem. E ficava na espreita aguardando uma resposta, torcendo para que fosse positiva. Era um drama. Se houvesse explícita rejeição, ou o silêncio, que não deixava de ser uma rejeição mais diplomática, portanto contendo implicitamente a cruel expressão "nem te ligo", as esperanças iam pro brejo. A autossanção do rejeitado era não passar pela rua onde residia quem o rejeitara.
Como se vê no princípio tudo se iniciava com palavra, escrita. Mas não era só esse método. Esse era apenas o menos constrangedor para quem pretendia constranger a paquera e propor o começo de um namoro vigiado e comportado, porquanto todo o processo de consolidação amorosa se realizava na penumbra da porta, ou com os namorados, já não mais importunador e importunado, junto à janela, até uma hora limite fixada por quem de direito, e sem discussão, sob pena de tudo se acabar.
Outros métodos de conquista eram recorrentes. O olhar fixo, inarredável, quando o assediado, paquerado e importunado passava. Aquele olhar provocativo de quem quer comer (obrigado Bolsonaro!) com os olhos. Depois, havendo alguma correspondência, saía comedidamente uma frase provocativa, sem ultrapassar os limites da moralidade vigente. Nada de boazuda. Algo como a Julieta dos meus sonhos. Ou: estes olhos me cativam. Ainda não se havia chegado a "este rebolado me encanta". Mas... a flor do meu bairro, sim. Havia um amigo que, quando aquela menina passava, ele repetia sem esboçar o menor enfado: - Aí vai a flor do meu bairro, verso de uma das canções de Nelson Gonçalves, que fazia sucesso nas rádios.
No Liceu, a troca dos bilhetes se dava entre os alunos da noite e as possíveis paqueras da tarde. Os bedéis não deixavam por menos. Revisavam todas as carteiras e confiscavam sem dó nem piedade os bilhetinhos, que tinham a força provocativa de um flerte inicial. Era frustrante essa mania de importunar os importunadores, com invasão da privacidade, muita vez, na iminência de marcar um ponto de encontro, ou fazer a troca de fotos.
Mas... A polêmica surgiu na França, tendo à frente a atriz Catherine Deneuve, que, sem deixar de ser feminista, integra um movimento que defende a liberdade de importunar, como ato indispensável ao exercício da liberdade sexual. É uma briga entre mulheres, ainda bem. Não me meto. Só relato. Umas, mais fundamentalistas, entendem que importunar, paquerar é assediar, a receber sanções graves; outras entendem que há um exagero dessa parte do movimento feminista denominado #MeToo.
Os jornais brasileiros estão dedicando páginas e mais páginas para tratar desse assunto. Catherine Deneuve está com 74 anos. Não sei se ainda na fase da paquera, paquerando ou paquerada. Pode ser. Os tempos continuam a ser outros. Mas uma outra Catherine, só que Millet, com 69 anos e em plena forma física, escritora e crítica de arte, autora do livro A vida sexual de Catherine M., em entrevista à Folha, considera esse feminismo defendido por #MeToo retrógrado. E acrescenta: O que uma mulher vai considerar como assédio, eu posso considerar uma cantada insistente e não dar tanta importância. Acho que nesse domínio cada um de nós tem uma escala de valores, de tolerância.
Nessa encrenca, só me resta a saída socrática. Advirto: os homens têm que ser precavidos quando quiserem importunar, para não responder pela prática de assédio. Mandem flores, ainda é um recurso não ultrapassado. Cuidado com a "casquinha" (o leve roçar), mesmo que involuntária. Pode ensejar um processo. Abraços, com muita cautela, sem aquele aconchegamento exagerado. As cartas de amor ainda funcionam como um bom método, embora ultrapassadas. Nem os Correios querem saber mais de cartas. Querem saber mais: amem. Descaradamente amem de verdade, não se deixando intimidar pela acusação de assédio da amada. Se não for processado pela prática de assédio, na pior das hipóteses, o seu amor pode ser correspondido. Aí vale a pena ser preso.
*Membro da AML e AIL.
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