Apesar de tudo, ou apesar de você, ou, ainda, apesar de todos nós, como diriaa sentença em sua lógica: não há mal que venha para o bem, nem bem que venha para o mal. As coisas acontecem. Se não acontecerem, a gente faz acontecer, ou fazem-nas acontecer. Hoje estou cheio de “ou”. A bem da verdade, adoro “ou”. Possibilita-me alternar o pensamento. Ora vou para um lado, ora vou para outro. Sigo a marcha da maré. Que enche e vaza. Assim somos nós: enchemo-nos e esvaziamo-nos. Todos os dias. E não ficamos enjoados.  Nesse zanzamento de ideias, lembrei-me da lei de Murphy: se alguma coisa pode dar errada, dará. Evitá-la é quase impossível, segundo os ditames dessa lei, criada por um capitão da Força Aérea norte-americana, Edward Murphy, e eleprópriofoi vítima dessa infalível regra. A propósito, toda essa introdução é para dizer que há pessoas que pensam que estão lhe fazendo mal, quando, ao contrário, no afã de prejudicar, estão lhe fazendo um bem danado. Por isso, nem sempre a lógica do dito de cima é verdadeira. Há males que vêm para o bem, eis verdade escatológica.

Vou a algumas frases.
A primeira delas: a sabedoria nos diz que devemos desconfiar das aparências. Ou seja: as aparências quase sempre enganam. O que aparenta ser, na maioria das vezes, não é o que é. Muitas vezes, as pessoas estão reunidas numa mesa de bar ou restaurante. E a gente, pela aparência daquela reunião íntima, pensa que estão reunidas. Não. Não estão. É só aparência. Estão todas imersas nas solidões particulares, que fazem cada uma viver para dentro de si mesma, embora estejam, aparentemente, ali, juntinhas, mas separadas no mundo da solidão. É como um casal que vive aparentemente sob o mesmo teto, ri na rodada supostamente alegre, com os supostos amigos, dorme na mesma cama, mas efetivamente está separado. Lupicínio Rodrigues, este mestre da canção da dor-de-cotovelo, nos conclama a essa solidão do estar juntos, dizendo-nos “que é melhor se brigar juntos do que chorar separados”. Talvez sim, talvez não. Depende de se viver as aparências do amor.
Uma outra frase: a morte chega como susto e carece sempre de sentido. Sempre vai carecer de sentido. Ninguém aceita a morte com naturalidade. Ainda que a enfermidade alcance a fase terminal, prolongue-se no sofrimento do tempo, demande solidariedade ao doente solitário em sua dor, a morte continua sendo um susto e exige alguma explicação. Ninguém morre impunemente, sem que se justifiquem as razões que o levaram ao fim, à solidão do túmulo. Alguém já disse que a vida é uma roda. Vai girando, girando, um belo dia, para. Fica apenas o nome. Isso se esse nome for da própria pessoa, e não for agregado indevidamente. Há sempre aquelas pessoas que precisam do nome da outra para fazer valor o seu nome. Mas isso é outra história.
D. Paulo Evaristo Arns, esse santo homem de tantas lutas, que fez o seu próprio nome, foi indagada por um impertinente sobre a sua morte. D. Paulo já se encontra perto de um século de bons serviços prestados ao povo brasileiro. Respondeu do alto da sua sabedoria: – Estou preparado. Não tenho medo, mas também não tenho pressa. Um sujeito mais radical, que não entendesse a mensagem do paradoxo entre o não ter medo e o não ter pressa, diria: Eis um idealista perigoso. Ensina-nos a enfrentar e, ao mesmo, aquietar-nos na nossa dor de continuar a viver. A vida é essa mistura de dor e vontade de viver sem a pressa da partida. O melhor sentido disso está concentrado na criança, ou no filho. Por isso, já foi dito, talvez com muita razão, que, quando se têm filhos, nos tornamos o fantasma do futuro deles. Ou ainda: se os homens pudessem permanecer crianças por toda a vida, sem dúvida, teríamos menos trabalho. As crianças tornam o viver mais saboroso, com muitas exigências afetivas e grandes prazeres.
O certo é que o mal, quando mal em toda sua essência – o mal planejado, pensado – nunca se aposenta. E uma sociedade ou uma instituição que o toleram, tornam-se cúmplice da maldade. Mas a natureza não é má. Nós somos maus. O leão mata, destroça a sua presa, devora-a, não por maldade. Faz parte da sua natureza. É de sua índole, para sobreviver. A nossa maldade padece de uma carga de consciência, que brutaliza a sociedade. Não devemos acreditar em fantasmas. Nós somos os nossos fantasmas. Quem sabe esteja certa Chico Xavier: – Ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo; mas pode recomeçar e fazer um novo fim. Mas há pessoas que nem fazem um novo começo e não conseguem fazer um novo fim.
Somos o que nos falta. Uma frase clariceana, mas que não é dela. É da essência da nossa natureza: seres inconstantes até o fim quando partimos sem nos completar. Somos, de fato, o que nos falta. Brancos, pretos, ricos, pobres, esquerda, direita, mendigos de favores, mendigos de necessidades, enfim, apenas pessoas, a carecerem de sentido, em busca de uma completude inatingível. Tanto que, mesmo à luz da palavra de Deus, o Papa Francisco nos alerta para esta lição: Se uma pessoa é gay e busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la. Nós somos o que somos, com a imensa possibilidade de mudar o mundo. Apesar de tudo...