Como é o seu nome, senhor? – perguntou-lhe a magistrada, encoberta pela veste escura, ar circunspecto, em tom de gravidade, ao iniciar a audiência, para colher o depoimento daquele homem que, a propósito do momento solene, não conseguia se livrar da sisudez, numa demonstração de que ali estava, não porque o quisera livremente, mas por ter sido intimado a comparecer. Ao receber a convocação solene, assaltaram-lhe dúvidas atrozes, chegando a perguntar-se a si mesmo qual o crime de que estava sendo acusado e quem fora a vítima. Pensava e pesava, e não chegara a uma conclusão racional. O jeito mesmo era atender à imperativa chamada, porque nela continha uma enfática e intimidativa observação: caso não comparecesse, seria conduzido debaixo de vara. – Vara??!, ruminava interrogativo. Por via das dúvidas, estaria lá bem antes da hora marcada.

Chegando a tempo e à hora, foi-lhe feita a pergunta: – Como é o seu nome, senhor? Tranquilo, respondeu sem transparecer qualquer receio, porque lhe deram conhecimento de que fora ali chamado como testemunha de um caso ocorrido que lhe vinha à mente algumas lembranças difusas, cheias de falhas, cujos espaços, com dificuldade, eram construídos com efêmeras memorizações de passagens que ficaram soterradas pelo tempo. Assim, respondeu: – Messias da Silva. Porém, ficou na dúvida se a sua identidade oficial da RG não conflitaria com o nome com o qual era conhecido na localidade. E pensou: – Como resolver essa incômoda situação?! Temeroso, pediu a Sua Excelência permissão para ter uma rápida conversa de pé de ouvido, sem que isso representasse desrespeito. Ela concordou. Então, lhe disse: – Meu nome é Messias da Silva. Assim fui registrado pelos meus pais. Mas..., todo mundo me chama de Bosta Nágua. A magistrada abriu um grave sorriso e, sem perder a fleuma do cargo, disse-lhe: – Mas tu nem afundas, rapaz!
Concluída a audiência, Bosta Nágua, ou Messias, saiu com a certeza de que não houvera dúvida de que a sua verdadeira identidade não sofrera um mísero arranhão, tendo sido preservada pela Justiça. Embora incomum, Bosta Nágua ficou nos anais históricos daquela audiência, enquanto Messias da Silva, trivial como todo Silva, apenas no registro obrigatório, por ser o nome com o qual era identificado no meio social, assim afetivamente tratado pelos parentes, amigos e até mesmo os seus inimigos.
Deixemos Bosta Nágua, na sua luta cotidiana, para fazer valer o nome que o consagrou. Messias não era a salvação nem dele, nem dos outros. E da Silva, um apêndice tão comum, que não valia a pena fazer companhia a Messias. Já Bosta Nágua lhe trazia o conforto de se sentir melhor. Não era mais a alcunha brejeira, era ele próprio, o Bosta Nágua, conhecido e valorizado por todos.
De outra feita, ainda a nossa Juízas de Direito, e não de futebol, em outra ocasião, examinando um volumoso processo, mal percebeu a entrada das partes. Viu duas mulheres. Traços fisionômicos delicados, sem quaisquer exageros cosméticos provocativos. O autor do processo: José de Ribamar. A outra parte: Maria das Dores. De imediato, brotou-lhe a dúvida da identidade. José de Ribamar?! Como?! Ali do seu lado estava uma mulher, sem tirar nem botar o “m” e muito menos o “r”. Perguntou: – O senhor é José de Ribamar? Com o tom e jeito femininos, respondeu-lhe: – Sim, sou eu mesma. – Como?!, insistiu a juíza. A resposta foi imediata: – Minha querida, seis meses eu sou homem, e seis meses eu sou mulher. Estou nos seis meses da segunda vocação. Por esse tempo, meu armoorrr, sou chamada de Vanda. Dada a necessária explicação, a magistrada deu respeitoso prosseguimento ao ato. Qualificou a parte. Nome: José de Ribamar, nesses seis meses atuais, conhecido por Vanda.
Bosta Nágua e Vanda, dos seis meses, estão por aí, identificando-se pelo apelido como são conhecidos no mundo social. Aceitam o rótulo, sem criar caso. Dizem: o pior apelido é o que pega, por não ser aceito. O admitido e batizado pelo cotidiano se incorpora à pessoa como casca numa fruta a resguardar o saboroso miolo. Assim é: abacaxi só é abacaxi porque é abacaxi, com uma casca complicadíssima, porém muito saboroso, dependendo do abacaxi. O de Turiaçu, todo amarelado na casca, e de uma doçura agradável, embora abacaxi.
Dessa nossa conversa pitoresca, vamos ao que interessa. Não muito tempo atrás, mas já passados alguns anos, que ninguém é de ferro, fui professor de um grupo de alunos no Rio de Janeiro. Havia uma aluna, cujo nome – como todos a conheciam – era Mundica. Cearense, a partir do nome, não deixava nenhuma dúvida. Registrada como Raimunda. Se chamássemos Raimunda, a resposta era o silêncio. Só Mundica. Para todos os efeitos, apenas Mundica. Acostumou-se a ser Mundica, nome que incrustara no seu dia a dia, renunciando ao outro. Daí me veio a lembrança de tia Ernestina. Nunca foi Ernestina, a não ser no nome. Registraram-na Iolanda. Os mais íntimos têm certeza de que, para todos os efeitos, Iolanda nunca foi Ernestina. Ernestina é apenas o heterônimo de uma Iolanda que nunca existiu. 
Por tudo isso, não só as aparências, mas os nomes também podem nos enganar.