Machado de Assis, o sempre lembrado Bruxo do Cosme Velho, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, tentando justificar o tamanho resumido de um dos capítulos dessa monumental obra, pergunta: “Que há entre a vida e a morte?” Logo responde: “Uma curta ponte.” Não discuto com Machado, porque a vida, no espaço temporal, pode de fato ser uma curta ponte. Ou sequer ter ponte, a depender da vida que se leva. Semelhante ao que disse o autor de Esaú e Jacó, Oscar Niemeyer, quando, no auge dos seus 105 anos de idade (ou um pouco menos, tenho dúvida), lhe perguntaram: – O que é vida? De pronto, o longevo arquiteto das curvas poéticas de Brasília, deu a resposta simples, de uma profundidade filosófica imensurável: – A vida é um sopro. Essas metáforas: uma curta ponte entre a vida e morte ou um sopro, nos convida é pensar sobre a efemeridade do viver. Por isso, quem sabe, alguém disse que a criança é o pai do homem. Nunca destruímos essa ponte com o passado. A criança está dentro de nós.
O eterno Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego, diz-nos que “a vida é uma viagem experimental, feita involuntariamente. É uma viagem do espírito através da matéria, e como é o espírito que viaja, é nele que se vive. (...) O resultado é tudo. O que se sentiu foi o que se viveu”. Vocês, que, por acaso me leem, estarão nessas alturas perplexos. Que miscelânea dos diabos é essa? Perguntam-se a si mesmos. Machado, Oscar Niemeyer e Fernando Pessoa. Cada um deles falando sobre a vida para justificar este preito ao mestre com carinho, título de um filme que nos encantou há alguns anos, quando ainda se ia aos cinemas de rua, vestidos a caráter, para, na ampla sala de espera, aguardar da projeção da fita (fita, hem?!).
Penso de fato que a vida é essa viagem do espírito, pela matéria. E é nele que se vive. A matéria é apenas a argamassa que nos faz visível ao mundo. Apenas um aviso: não sou espírita, no sentido da religiosidade da palavra. Mas o espírito é forte. A carne – essa matéria frágil, que será consumida pelos vermes – é fraca, impondo-nos a viver a vaidade e egoísmo das coisas simples.
Ainda é Fernando Pessoa que, referindo-se à morte, indaga: “A morte? Mas a morte está dentro da vida. Morro totalmente? Não sei da vida. Sobrevivo-me? Continuo a viver.”
Eis a verdade: a morte está dentro da vida. Nossa inquietação é a finitude. Para aonde vamos? Ou não? Se a vida é uma vigem do espírito através da matéria, e é nele que se vive, só a matéria vai. Somos beneficiados pela imortalidade da vida que vivemos. E eternos enquanto dure essa imortalidade. Quando ainda bem criança, li uma biografia de Abraham Lincoln. Terminada a leitura, fiquei encantado com a vida daquele homem. Lenhador, filho de uma família pobre. Teve pouco tempo de educação formal. Decidiu, por si mesmo, energicamente estudar sozinho. Aprendeu a escrever aos sete anos de idade, com uma caneta de pena de peru e tinta de amora silvestre. Era um leitor voraz. Fazia longas caminhadas para conseguir um livro para ler com a ânsia de aprender. Foi o 16º presidente dos Estados Unidos da América do Norte. Em 1863, fez a Proclamação da Emancipação de todos os escravos. Exortava, em sua luta antiescravistra: – Todos os homens são criados iguais como verdade manifesta.
Lincoln, depois do meu avô – ressalto com orgulho: um carroceiro que muito me ensinou –, foi a minha segunda grande influência. A partir dele, vi a possibilidade concreta de descobrir o mundo, apesar de todas as dificuldades.
E a vida nos proporciona mestres inesquecíveis. O prof. José Maria Ramos Martins foi um desses grandes mestres, que tive a grata felicidade de conhecê-lo quando iniciei o meu curso de Direito. Na faculdade da rua do Sol, tive notáveis professores. Um deles foi José Maria Ramos Martins. Conto a história: à época, fiz dois vestibulares: um para Faculdade de Filosofia, com a finalidade de graduar-me em literatura brasileira; e o outro, para a Faculdade de Direito. Consegui êxito nos dois exames. Minha intenção era fazer o curso de letras. Vivia um dilema, já que não podia fazer os dois cursos. Trabalhava como linotipista. Ainda assim, matriculei-me nas duas faculdades. Nas primeiras aulas do curso de Direito, fiquei encantado com os professores José Maria Ramos Martins e Orlando Leite. O prof. José Maria nos ensinava Introdução ao Estudo do Direito, uma disciplina propedêutica que continha todos os fundamentos básicos. Fui conquistado por esses eminentes mestres. Optei pelo curso de Direito. Anos depois, voltei a ter convivência com o prof. José Maria Ramos Martins, num curso de especialização. Ensinou-nos Filosofia do Direito. Era um conhecedor profundo do Direito Romano e das obras de Pontes de Miranda, tendo sido citado por esse grande cientista do direito. Humilde, como todo sábio, o prof. José Maria Ramos Martins, após relevantes serviços prestados para a cultura do Maranhão, nos deixa órfão dos seus inexauríveis conhecimentos. Não morre. Como diz Fernando Pessoa, conclui a viagem do seu espírito humanista através da matéria. Ficará eterno no coração dos seus alunos.
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