Para a família, Abelim Maria da Cunha, nascida em 13 de maio de 1929, em Conceição de Macabu, no Rio de Janeiro, e falecida em São Paulo, em 29 de setembro de 2018, aos 89 anos de idade. Adotou o nome artístico de Ângela Maria para fugir da censura dos pais. Cedo, descobriu a sua vocação para cantar. Era filha de um pastor protestante que a proibia de exercitar o canto, só admitindo que o fizesse na igreja, pois não deveria cantar músicas profanas. Ângela Maria rompe com essa barreira. Saiu de casa e foi procurar o seu destino. Empregada numa fábrica de lâmpadas, cantarolava durante o trabalho, foi demitida. Os outros empregados ficavam a ouvi-la, e a produção de lâmpadas diminuía. Foi adiante e, em pouco tempo, estava na rádio Mayrink Veiga. Fez parte de um time de grandes cantoras: Dalva de Oliveira, Marlene e Emilinha Borba. Todas, rainha do rádio. Ela também, tendo recebido o cetro das mãos de Emilinha. Cantou grandes sucessos que atravessaram o tempo. Quem não se lembra da rumba Babalu? 1958. Fazia os bailes mais alegres, mais sacolejantes, os pares se descontraíam, ninguém ficava parado. Eram as festas dançantes de radiola. Não essa radiola de hoje. Não. Eram radiolas mais intimistas, em que se dançava bem aconchegante, curtindo, nos passos ritmados dos boleros e do samba-canção, o som caliente das músicas e cochichando ao ouvido toda a vontade de amar, longe da vigilância dos pais ou de uma irmã mais atenta.
O presidente Getúlio Vargas, que adorava a voz de Ângela Maria, lhe disse que a sua voz era tão doce como sapoti. Passou a ser chamada de Sapoti do rádio brasileiro. Ganhou inúmeros prêmios e títulos como maior cantora do Brasil. Em 1978, no Palácio das Convenções em Anhembi, com 26 anos de carreira, participa de um dos maiores shows ao lado de Nelson Gonçalves, com 32 anos de carreira, no qual cantaram os grandes sucessos. Esse show recebeu o nome de "Os Monstros Sagrados", tendo sido reproduzido num CD, Ângela Maria & Nelson Gonçalves, ao vivo. Não faltaram canções como Dos meus braços tu não sairás, A volta do boêmio, Olhos verdes, Vá, mas volte, Vida de bailarina, Meu dilema, Caminhemos, Gente humildade, Ave Maria no morro, Meu vicio é você e tantos e tantos outros.
O tempo passa. 89 anos são o seu limite do quando. Ângela Maria teve que partir. Fica a sua arte, o seu canto. Os CDs e os discos estão todos por aí. Nos acervos, na memória, na vida daqueles que viveram todo esse tempo. Falhaste, coração. O coração não pode falhar. Beijo roubado. Quantos não o foram. Vida de bailarina. Fósforo queimado. Serenata suburbana. As serenatas faziam parte dessa vida. Eram a mensagem do amor que vinha à janela. Enfim, a Lua continuará sendo dos namorados. Ângela sabia, com a sua voz doce, melodiosa, falar da Lua. Dez anos. E assim se passaram dez anos. Não. Não. Os anos podem até passar. Mas Ângela, a Sapoti, continua tão doce, que, com certo recato, resolveu cantar as músicas de Roberto e Erasmo Carlos. Eu disse adeus. Mas o show não terminou. Para o artista, o eterno artista, nunca termina.
E assim, depois de tanto sucesso, Ângela recolheu-se. Não o seu canto. Não mais era rainha do rádio. O rádio perdera o glamour. Mas Ângela não deixara de ser a voz que lhe fez rainha. E ela retorna. Eu voltei, é o seu grito de volta e revolta. Com uma voz em tom menos agudo, presenteia o seu público com as canções O portão, de Roberto e Erasmo, Eu não sei, de Jair Amorim e Evaldo Gouveia, Se queres saber, de Peterpan, Esse cara, de Caetano Veloso, Menino grande, de Antônio Maria, Bar da noite, de Haroldo Barbosa e Bidu Reis, Olhos nos olhos, de Chico Buarque, Pra você, de Sílvio César, e A chuva caiu, de Tom Jobim e Luiz Bonfá. Esta a renovada Ângela Maria de nossos tempos, que se junta a Cauby num encontro e reencontro. Os dois estão sublimes. A idade não lhes pesa. Ângela, no reencontro, com 84 anos, e Cauby, com 82. Nono mandamento, Molambo, Alguém como tu, Apelo, Como é grande o meu amor por você, Somos iguais, Chove lá fora são algumas das pérolas do clássico da música brasileira que Ângela e Cauby transformam numa audição definitiva. Os dois se encontraram, reencontraram, desencontraram e agora estão no céu cantando as grandes canções que os consagraram por aqui. Deus os acolheu festivamente.
Antes da partida, com Ronaldo Rayol ao violão, Ângela Maria vem bem à vontade com Voz&Violão. Só os dois. A suave e doce voz de Ângela e a exímia sonoridade do violão de Ronaldo. E aí a gente encontra Amendoim torradinho, Nunca, Retalhos de cetim, Codinome beija-flor. Assim é demais! Só mesmo indo ao Bar da noite e pedir mais umas ao garçom. O show de Ângela nunca deve terminar. Vá, Sapoti, mas volte sempre!
* Membro da AML e AIL.
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