Aureliano Neto*
Amar não é apenas tão bom quanto é necessário. Uma pessoa sem amor é como um perfume sem fragrância. É um nada. Quem ama, tem em si toda a força da vaidade de bradar a todos, para que todos saibam, que ama. Nisso está a vaidade de amar e de se acreditar que se está sendo amado. O filósofo Nietzsche diz - não sei se ele está certo ou errado, mas longe de mim contestá-lo - que, quando amamos, queremos que nossos defeitos permaneçam ocultos; não por vaidade, mas para que o ser amado não sofra. E conclui com veemência de quem sabe dessas coisas do sentimento: - Sim, aquele que ama gostaria de parecer um deus - e também isso não por vaidade, reitera. Por isso mesmo, tenho convicção de que a força do amor é devastadora. Leva-nos por caminhos fáceis ou difíceis. Já disseram em algum lugar por aí que, quando é verdadeiro o amor, a alma envolve o corpo. Eis a verdade: - No amor, corpo e alma se completam, numa relação de inseparabilidade. Em O Banquete, que conta a história de um encontro em que compareceram figuras extraordinárias da Atenas clássica, Alcibíades, um jovem galã da sociedade da época, apaixona-se por Sócrates e dele tenta se aproximar, mas é repudiado porque o seu amor não é o verdadeiro, tem como finalidade aproveitar-se das virtudes intelectuais do filósofo. O amor teria que ser puro, sem condicionantes e sem troca. Nesse sentido a essência do amor platônico.
Quintana, o poeta dos pampas gaúcho, referindo-se a Vinícius de Moraes, que como poucos soube cantar o amor, disse: - Olha. Vinícius, tu fizeste uma ursada, uma safadeza pra nós, que passamos toda a vida procurando expressar toda a força e, ao mesmo tempo, a efemeridade do amor; tu achaste a fórmula definitiva, dizendo que o amor é eterno enquanto dura. Pois é, essa fórmula de dizer o amor está lá no célebre Soneto da Fidelidade, uma fidelidade conotada pelo sentimento passageiro, mas com a força de ser eterna enquanto exista. Disso deflui o amor imortal e que é chama, mas infinito enquanto dure. Por isso o tempo universal do poeta é quando, porque o infinito de tudo é a efemeridade da duração.
Infinitamente, a mãe ama. A mulher ama. O marido apaixonado ama. O sem paixão, infelizmente desama. O namorado e a namorada amam-se. Transitoriamente, mas, ainda assim, se amam. Os amigos se amam, e, às vezes, se odeiam. Voltam a amar-se. Ou podem odiar-se eternamente, até o dia final. Alguns se amam loucamente; outros, nem tanto. Denotam um amor contido, retraído, com esgar de timidez. Uns amam a vida. Já outros, com morbidez dilacerante, amam a morte. E alguém, talvez pela contundência do amor, disse que, na morte, a ausência ganha mais presença. Os mortos que amamos estão sempre a nos circundar. Passeiam amorosamente entre nós. Nas fotos da parede ou do armário. Nos papéis, espalhados na gaveta, que um dia será vasculhada pela curiosidade do amor. Na roupa inerte, pendurada no guarda-roupa, ainda cheirando naftalina e com a presença daqueles que amamos e não esquecemos. Amamos o riso escancarado, daqueles que riem de felicidade. Mas amamos os que choram de saudade. Eternizando tudo isso, o cancioneiro nos fala dessa saudade, torrente de paixão, emoção diferente, que aniquila a vida da gente, uma dor que não se sabe donde vem. Mesmo assim, com toda essa força torrencial da ausência, amamos todas as saudades que nos atormentam ou alimentam, sem discriminação. Amamos, e como amamos, o carinho que nos é dado todos os dias, em todo o momento, por aqueles que nos amam. Por isso mesmo, amar é um desafio a dois. O poeta sempre esteve certo: é impossível ser feliz sozinho. Amar é lutar contra a solidão. Não amar-se só. Mas amar sem a exigência de ser amado. Basta amar. O amor basta a si mesmo. Parece um paradoxo, mas é o amor na sua essência, em pureza, sem reivindicar contrapartida Amor com sexo acaba com sexo.
Irreverente, Paulo Mendes Campos, esse cronista do nosso cotidiano, afirmou, com a veemência de um poeta sofrido, que o amor acaba. E acaba na compulsão da simplicidade simplesmente. No desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados. Nos roteiros do tédio. No coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor. Na janela que se abre, na janela que fecha. Em todos os lugares e a qualquer hora e a qualquer minuto, o amor acaba. Pois bem. Não é que o cronista não tenha razão. Deve ter. O cinema acabou, pelo menos o bem antigo, o do aconchego das mãos dadas, esse desapareceu, porém o amor superou as telas e o escuro do estar a sós e insiste em não acabar. As luzes da ribalta propagam por todos os cantos o amor mais agressivo, sem véu e vergonha. Com a certeza dos que amam, é produto durável, com eternidade previsível, em alguns casos. Continua resistir às artimanhas do tempo. Não há mais o amor da janela, nem da porta, a dois, sentados, trocando afagos. Nem o amor de praça. Os bancos de praça já nem existem. Se existem, estão ocupados. Não pelos que se amam. Por outros, inconformados com o amor, dasamados pela injustiça. O amor insiste em sobreviver, sem cinema e sem janela, sem fogueira e sem balões, sem luares e sem estrelas. É amor eterno na sua duração efêmera. Ainda assim, amar é tão bom.
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