Digo, logo: os festejos juninos já fizeram parte do meu calendário de exaltadas pândegas. Festejei a cântaros São João, São Pedro e São Marçal. Todas na sua dimensão e importância milagreira. Não mais o faço, embora continue a considerar um momento essencial para a nossa vida. Do nordestino, principalmente. Os cantos e danças ficam movimentados e alegres bem aqui, pertinho de nós, para o nosso lado. Ainda assim, ultimamente, festejo muito pouca coisa, como data do casamento, alguns aniversários, dia das mães, que se tradicionalizou por força da mídia e da própria mãe, e, embora force a pesquisa mental, não lembro mais de outros eventos. As mortes não são festejadas. São reverenciadas. Mas deixemos os mortos quietos em seus lugares. No calendário afetivo, mantenho esses festejos, que ainda me contagiam. Cada ano, as lembranças são evocadas como se tudo estivesse ocorrendo hoje. É verdade, já não tenho dúvida, o tempo é quando, como poetizou Vinicius de Moraes, esse trovador das grandes canções, que nos contagiaram e continuam nos contagiando.
Os festejos eram menos sofisticados. Menos arraiazados. As brincadeiras de bumba-meu-boi não se assemelhavam a arremedo de escolas de samba, com garotas seminuas a saracotearem de um lado para outro, ao som de instrumentos musicais de sopro e corda, ou, ainda, com a presença de rapazes, como dizem, sarados, a fazerem o mesmo tipo de dança estereotipada, uma caricatura de um balé rústico e repetitivo. Também havia mais religiosidade nas festas juninas. Os santos homenageados tinham um lugar de destaque. Festejavam-se São João, São Pedro e São Marçal, desde a véspera de cada dia. Em algumas casas, em que a religiosidade era mais forte, rezava-se a ladainha, uma espécie de manifestação de culto religioso no qual os devotos prestavam reverência ao santo de sua fé. Mudou-se o tempo, ou apenas nós?
Nesta cidade, os arraiais e quadrilhas fazem a festa. Têm sido uma tradição nesta nossa cidade os festejos juninos se caracterizarem por essas manifestações. Não se tem notícia da influência do bumba-meu-boi, com as suas variações rítmicas, que, na Ilha e baixada, esses cantares e dançares são conhecidos como sotaque. Aí se tem o boi de zabumba, de matraca e de orquestra. O boi de orquestra, nos últimos tempos, se popularizou muito, sofrendo profundas alterações no ritmo e na dança, passando a realizar uma apresentação mais carnavalizada, que lembram alas de passistas de escolas de samba.
Ainda assim, são mantidas algumas tradições. É preciso que se diga que tradição, em sentido culturais, não é sinônimo de anacronismo. Ou de mero passadismo estéril. Não. Não é bem isso. Tradição está vinculada à preservação dos valores culturais, que, embora sofram mudanças com o correr do tempo, não podem ser solapados apenas pelo ganho fácil do dinheiro, ou colocados no âmbito do orçamento de quem investe como custos e benefícios. Tradição é o espírito da cultura popular, que é produto criativo da sociedade, nas suas imensas variações, originando-se dos tempos da colonização brasileira.
As quadrilhas que herdamos dos franceses – da “quadrille” francesa – se popularizaram no Brasil ao longo do século XIX, vindo a sofrer profundas alterações.Passou a ser um tipo de dança de uso da classe menos abastada, perdendo a influência da classe média e das elites. Da sua origem ainda restam as expressões francesas, muito utilizadas no desenvolvimento da dança nos arraiais ou nos salões onde são apresentadas. Ao lado das quadrilhas, resta, ainda, o tambor de ciroula, perfilizado pelo cantar e pela dança que vão buscar a sua fonte na senzala, quando o negro escravo fazia do canto e da dança o lenitivo do seu sofrimento. O tambor de crioula (ou de criolô, como querem alguns folcloristas) tem um ritmo e uma coreografia próprios. O batuque é feito em tambores grande, médio e pequeno, com a marcação feita com as vaquetas de pau batendo nas caixas ocas dos tambores. A dança, bem rodada, realizada pelas mulheres, com vestidos bem largos, requer um espaço para que possam executá-la, a fim de que uma se aproximando da outra dê a umbigada, ou a punga. O canto é repetido num estribilho, com alguma semelhança, já que da mesma origem do samba de roda, em que em torno do refrão os versos são criados.
O romancista russo Tolstói disse certa vez: “Se quiseres ser universal, fala da tua aldeia.” Evocando-o, não terei dúvida em afirmar: – Nós nos universalizamos todas as vezes que, embora obrigados a sair de nossa aldeia, procuramos manter a tradição, e assim por ela falamos de nosso mundo. A nossa aldeia reflete os nossos costumes. Deixo de lado Tolstói e recorro a Zé Dantas e Luiz Gonzaga, que, no verso e no canto nordestinos, falaram da sua saudade, que também é minha: Ai que saudades que eu sinto / Das noites de São João / Das noites tão brasileiras na fogueira / Sob o luar do sertão / Meninos brincando de roda / Velhos soltando balão / Moços em volta à fogueira / Brincando com o coração. E concluem esses trovadores eternos do sertão: Eita, São João dos meus sonhos.
* Membro da AML e AIL.
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