Aureliano Neto*

Madalena, deixa-me que assim te chames, sem o formalismo da toga. Dize-me: por que tu partiste assim tão de repente, sem nos fazer um simples aceno? Teus amigos - aqueles que contigo conviveram - não gostaram. Alguns choraram as lágrimas da verdade por ter contigo convivido, ainda que por exíguo tempo. Por que a pressa, Madalena? Eu, que tive o privilégio de tua convivência amiga, fiquei tomado pelo espanto dessa partida repentina. Mas, felizmente, tivemos um tempo enriquecedor de lições de vida. De como ser magistrado, contigo aprendi muito. Ah!, tu eras magistrada sem descuidar-se nunca de sê-la. Vivias o tempo todo o sentido sagrado de julgar, sem os arroubos desse modernismo midiático. Olha que julgar é uma missão humanamente difícil, porquanto nos obriga a ter um compromisso com a justiça. E tu julgavas com retidão. Por onde andaste, semeaste a justiça. Deste à lei a concepção normativa do que poderia ser o certo, sem dissociar o seu sentido ético. Foste salomônica. Aplacaste as dores dos jurisdicionados. Soubeste ser o próximo, amando o teu semelhante. Amar ao teu próximo: seguiste esse mandamento sublime. Olha, Madalena, não falo aqui dos teus filhos, que tu, como mãe, abnegada, transferiste a eles os teus sagrados e transcedentes valores. Foste - e eu soube disso - uma dedicada mãe, que, como arquiteta maternal do amor, fizeste da tua família o exemplo sacrosssanto de convivência fraterna.
Mas, como a estar em transe obsessivo, insisto em perguntar-te: por que foste tão cedo? Esse inesperado adeus nos deixa sofrido. Olha, somos todos teus amigos. Alguns desses amigos saíram da Escola da Magistratura do Maranhão, quando lá exerceste, de forma eficiente, como tudo que fizeste na vida, a direção. Muitos passaram por lá e te conheceram. Voz suavemente grave, mas de muita experiência e força afetiva. Ouviram-te. Conversaram. Buscaram conselhos. E tu sempre a lhes dizer, repetindo-se: - Meu filho! ou - Minha filha! Assim tu iniciavas a conversa com os jovens, quase todos hoje juízes de direito, ainda sequiosos de aprender ensinamentos que só a maturidade pode transmitir. E tu sabias fazer. Tiveras, como apanágio de vida, essa missão divina: julgar e ensinar.
Minha queridíssima Madalena Serejo, eu a conheci bem. Não muito como tantos outros. Andamos por este Maranhão, construindo os caminhos da Justiça, com esse jotão maiúsculo mesmo. Fomos a tantos lugares! Tu me dizias: - Não sei administrar no gabinete. E acentuavas com a severidade dos sábios: - Gosto de sair para conhecer a realidade e então encontrar solução para os problemas. E assim o fazias. Quantas vezes - e foram muitas -, saímos por volta das quatro ou cinco horas manhã para visitarmos as comarcas, vermos e diagnosticarmos as carências dos nossos juizados. Lembra-te do trabalho concentrado que fizemos em Pinheiro e em São Bento? Levamos, sob o seu comando, vários juízes e conseguimos realizar uma profilaxia das demandas mais urgentes. Estivemos em terras tocantinas, trazendo um pouco da tua experiência para os nossos dedicados magistrados. E tu, Madalena, firme, à frente, sem esboçar um leve sinal de cansaço. Ao contrário, alegre. Eras feliz, porque amavas o que fazias. Essa é a felicidade autêntica, que não é comprada em butiques ou shopingcenter. É a felicidade do dever de cidadania cumprido, e com esmero e absoluta vocação de servir.
A tua partida, Madalena, me deixa triste. Mas me faz lembrar de todos esses momentos. Lembra-te, minha querida amiga, que, com o teu esforço, conseguimos quebrar as barreiras da inércia e expandimos os juizados especiais em São Luís, instalando novas unidades, sem esquecer São José de Ribamar, onde implantamos o Juizado Especial Cível, que dormitava numa folha de papel. Com a tua filosofia de trabalho, tu tinhas tempo de participar de todas as nossas reuniões que fazíamos com os nossos magistrados para discutir e buscar soluções para os problemas. Problemas discutidos, soluções encontradas, em decorrência do diálogo do grupo, eram imediatamente implantadas. Nada ficava para depois. Assim eras tu: dinâmica, operante, sempre aberta ao diálogo. Tivemos essa convivência tão construtiva que me deixa contaminada de saudade. Madalena, como foi boa essa convivência?!
Já disse e repito: há pessoas morrem em vida; há aquelas que renascem depois da morte; mas há outras que não morrem e, como diz Guimarães Rosa, encantam-se. Madalena, tu, ao desligar-se subitamente do nosso convívio, encanta-se na saudade que sempre sentiremos de ti. Uma gostosa saudade de sabê-la encantada na história de todos nós que contigo convivemos e na história da Justiça do Estado do Maranhão, que ajudaste a construir empunhando a balança do equilibro e a espada das decisões justas.

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