Parodiando Protágoras, filósofo grego do século V a.C, pode-se dizer o homem é a medida de todos os medos. E não como afirmava o sábio helênico: o homem é a medida de todas as coisas. Tive um dileto amigo que adorava essa frase, que teve a força filosófica de atravessar os séculos e permanecer ainda bem viva, tanto que estou recorrendo a ela para justificar o injustificável: o medo se alastrando em nossos tempos. Vive-se o momento da consequência do ódio da escolha. Na vida tem dessas coisas, muitas vezes opta-se pela escolha do caminho a ser trilhado. Nem sempre acertamos. Há casamentos de longa duração; outros se dissolvem logo após o sim da confirmação do laço matrimonial. É o desacerto da opção. Erro quanto à pessoa. Ou qualquer erro, ainda que na dosagem efêmera do amor. Por isso mesmo, aproveito para afirmar, com a veemência exigida pela quase certeza, que o homem é medida de todos os seus medos e de todos os seus erros. E isso desde o paraíso quando Eva, na ingenuidade da transgressão, resolveu comer do fruto proibido.
Por nossos erros, medos e desacertos, a nossa cidadania anda dilacerada. Tão vilipendiada nesses tempos da posmodernidade, que até parece que o Brasil não se descolonizou com o grito de independência, à margem do Ipiranga, um fato histórico que nos tirou da tutela dos portugueses para pôr-nos nas mãos de outros interesses. Insistimos em ficarmos deitado em berço esplêndido. Advirta-se, em alguns momentos transitórios, o grito do Ipiranga não levou à independência nem tampouco à morte. Naquelas priscas eras, encravadas nas páginas de nossa história (muitas vezes relatada com um requinte exagerado de nacionalismo verde-amarelo) continuamos dependentes da Inglaterra, a grande potência econômica da época, o berço do capitalismo. E, hoje e sempre, dos Estados Unidos da América do Norte, que dão livremente as cartas no tabuleiro político e econômico, manietando todo o Sul da América. As exceções, nessa lógica contraditória, são as ditaduras, e as não exceções, as democracias, como ocorreu com o Brasil pós-golpe de 64 e o Chile de Pinochet. Ambos regimes ditatoriais e cruéis, que mataram e torturaram com participação e apoio ativo dos ianques.
Nossa pátria gentil e amada saiu de recentíssimas eleições. A certeza de algum sonho deu lugar à incerteza. Vive-se a dúvida do hoje e do amanhã. Da euforia de milhões foi-se ao tédio. 
Paul Valéy, em verso citado por Carlos Drummond de Andrade: “Lesévénementsm’enmuient” (“Os acontecimentos me entendiam”), nos desafia a pensar psicologicamente se o tédio é uma fuga da realidade, ou apenas um sono passageiro a nos afastar dessa pasmaceira irritante que pode nos conduzir à fatal mesmice. Na concepção de Aristóteles, até hoje explicada e não desmentida pela ciência, superando as incertezas, o homem é um animal político, por exercer ativamente a cidadania. Aristóteles apontou a essência do ser humano: ser político, vinculando-se esse predicado socializante à ética, bem diferente do autor de O Príncipe que os separou.
Pelo exercício pleno da cidadania, combateu-se em muitas frentes de luta. Muitos sucumbiram pela força dantesca da tirania. No distante mês de abril de 1983, um jovem deputado do PMDB de Mato Grosso, Dante de Oliveira, apresentou uma proposta de emenda constitucional para tornar direta a eleição presidencial do sucessor do então presidente Figueiredo (uma espécie de caricatura de ditador de plantão). Ressalva-se: essa proposta de Dante de Oliveira parecia ser mais uma iniciativa sem grandes consequências, até porque, pelo quórum, era, nas circunstâncias vividas è época, impossível a aprovação dessa emenda. Para ser aprovada na Câmara Federal, teria que ter 2/3 de votos dos deputados, o que significava alcançar 320 votos. E o partido que apoiava da ditadura, o PDS, detinha 235 votos. Ainda assim, num exercício de luta pela conquista da ampla cidadania do povo brasileiro, foi deflagrada uma campanha em todo o Brasil, denominada “Diretas Já”, que levou o povo brasileiro às praças, ruas e avenidas do Brasil. À frente, lideranças como Brizola, Franco Montoro, Lula, Mário Covas e o inesquecível Ulisses Guimarães, chamado de o Senhor das Diretas. A emenda das Diretas, no dia 25 de abril de 1984, por poucos votos (apenas 22), foi derrubada na Câmara dos Deputados, para frustração do povo brasileiro. Mas, a partir dela, teve início o efetivo processo de democratização braasileira. E, na senda dessa árdua luta cidadã, o antidemocrático Colégio Eleitoral, que elegia os presidentes da República, previamente sufragados pelo sistema vigente, perde consistência, enfraquece-se. Como consequência, deu-se a eleição de Tancredo Neves. O drama de sua doença. A posse do vice. A Constituinte e a Constituição de 1988. O retrocesso do golpe do impeachment da presidenta Dilma. E, neste momento, pairando sobre as instituições democráticas, a sombra soturna de uma nova catástrofe de exceção, a pôr em perigo a democracia, sob os mesmos falsos fundamentos de 1964. Só resta clamar a Deus que retire o combativo Ulisses das águas, onde sucumbiu, e o ressuscite para o embate de novas e árduas lutas pela democracia.
 
* Membro da AML e AIL.