Há um soneto de Camões que nos fala sobre a mudança e nos diz que "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, / Muda-se a confiança; / Todo o Mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades". Camões quer nos diz que, se mudarmos, tudo muda, pois os novos tempos implicam mudanças, a essência de todos nós.

Mas, ainda assim, duvido que se saiba o que pode mudar.  Ao pensar sobre os tormentos de 2016, lembrei-me de uma frase dita por um personagem do filme A cor púrpura, clássico universal, dirigido por Steven Spielberg, o qual alçou para o mundo a atriz negra Whoopi Goldberg. É a seguinte: "Quanto mais as coisas mudam, mais parecem iguais." Um paradoxo. O que espero é que a onda de mudanças, processada no laboratório dos conflitos sociais de 2013, se cristalize neste ano de 2017, operando-se as transformações reivindicadas pelos segmentos ativos da nossa sociedade. Tudo indica que não. O inconformismo foi a marca do ano de 2013, identificado nos movimentos sociais contestatórios, ora aplaudidos por uns, ora criminalizados por outros, projetando-se nos anos de 2014, 2015 e 2016. E com características de grave retrocesso. A direita, com um discurso do ódio, assenhora-se do poder, a partir de São Paulo, que historicamente já viveu grandes lutas libertárias. O pessoal da Fiesp manda no país. Disso não há uma reles dúvida. Nada é feito no Brasil sem passar pelo crivo dos poderosos empresários da Avenida Paulista em conexão com os grupos econômicos rentistas que aplicam o seu valoroso dinheiro na mesa de jogo do cassino brasileiro.
Lembro de 1968. Na concepção do historiador marxista Eric Hobsbawm, com as mudanças radicais que ocorreram na sociedade - generalização da industrialização, o substancial ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a crise da família nuclear burguesa e o crescimento e acesso massivo dos jovens no ensino superior - deflagrou uma revolução cultural, tendo como ideário político a defesa da autonomia da subjetividade e das escolhas de vidas pessoais, sem renegar o projeto de sociedade, assentado nas pilastras do capitalismo. Já os clamores de 2013, projetados nos anos seguintes, põem em xeque os postulados do Estado de direito, insurgindo-se contra as instituições que sustentam o regime democrático, com vozes clamando a favor da ditadura. A Casa-Grande toma conta do poder. A Senzala volta a ser senzala. O que pode mudar? Muda-se para o passado, refazendo-se a história como farsa.
Gostaria que se pudesse dizer de 2016, para alguns um ano falido, o que disse, entusiasticamente, o jornalista americano Mark Kurlansky do ano 1968: "Nunca houve um ano como 1968, e é improvável que volte a haver." Pensemos esse axioma voltado para o Brasil e, quiçá, pode-se chegar à mesma conclusão. Mutatis mutandis. O Brasil, na linguagem mais eufórica de muitos, sobretudo da mídia "revolucionária" (com aspas mesmo), mas que deu apoio ao triste golpe de 1964, acordou do seu sono, acalentado pelo berço esplêndido da inércia dos fáceis aplausos e das vaias intempestivas. Desponta a cruel verdade: o país está num beco sem saída, governado por uma corja de delatados, a exemplo das tristes figuras de Elizeu Padilha, Gedel Vieira Lima, que teve o cuidado de sair de mansinho, Jose Yunes, ex-assessor do Presidente e seu amigo de longos anos de presepadas, Romero Jucá, o senador das negociatas, e, sem grandes lamentações, o próprio Presidente, golpista na origem, citado mais de quarenta vezes em delações premiadas como recebedor de propina.
Não é por menos que o jornalista Mario Sergio Conti, de quem não nutro admiração, em texto publicado na Folha de São Paulo, sob o título Fora, Temer, frase corriqueira e chavão dos oprimidos, inicia dizendo que "o Bunker brasiliense recebeu o seu último bloco de concreto no Dia do Fico de Renan Calheiros na presidência do Senado. Judiciário, Legislativo e Executivo mandaram às favas escrúpulos legais e firulas democráticas. Entrincheiraram-se na defesa da cleptocracia". Segue Conti em termos incisivos, ao falar sobre o assalto aos direitos sociais do mais fraco: "Não é por acaso que o projeto do Planalto preserva as aposentadorias de policiais e militares. O governo tem medo que as Forças Armadas passem para o lado dos que terão os seus direitos dizimados. Pretende que policiais e militares desçam o cacete em quem ouse protestar. Na ausência de legitimidade, a força é a o seu recurso à mão." E diz mais: "Michel Temer assumiu o poder prometendo governo limpo, e logo virou chefe de cleptocracia. Afiançou que zelaria pelos modos republicanos, e não passa semana sem que articule a defesa do que há de mais venal na política - dá proteção de batedores de carteira à anistia dos que se banham em caixa dois."
Com tudo isso, com esses lamentos, com um governo de delatados, de propineiros, com a espoliação dos direitos trabalhistas e a volta da escravidão disfarçada, com a impossibilidade real do trabalhador aposentar-se, pois o rico dela não precisa, até a esnoba, o que devemos esperar de 2017?
A resposta traduz atroz e cruel dúvida. Ainda, ao lado de todos esses infortúnios, o Brasil sofre a perda de Dom Paulo Evaristo Arns, que enfrentou os generais da ditadura de 64, com uma trajetória de vida marcada pela incessante luta pelos direitos humanos, por isso considerado o cardeal das liberdades, o bispo dos oprimidos e o bom pastor. Com a sua perda, o Brasil fica mais pobre e rico historicamente. Feliz 2017. Apesar do golpista Temer e seus asseclas.