Tem sido um ano duríssimo, pelo menos nas páginas dos jornais, revistas e nas telas de nossas tvs, parecendo que 2015 não quer acabar. Teima em ultrapassar o dia 31 dezembro, invadindo a nova casa do 2016, o seu sucessor, cuja morada não se sabe em que estado iremos encontrá-la: se reformada, se de fachada nova, ou com a mesma cara, se com novos moradores, ou os atuais, apenas operando-se as mudanças nos métodos e critérios de arrumação, e sem muito barulho ou qualquer tipo de inquietação, para que os demais convivas possam ter paz e a tranquilidade de dormir e acordar no sossego e segurança de que nada de novo ocorrerá no front da luta cotidiana.
Uma certeza: os anos não se acabam. Passam, apenas. A história por eles contada não pode ser refeita. Tão só, vive-se. Sartre, num documentário sobre a sua vida, a que assisti nesses dias, em depoimento pessoal, afirma que não se pode refazer a história; deve-se viver com ela. Cada ano, que se esvai, deixa-nos a sua história, que não pode mais ser refeita, embora nós sejamos protagonistas principais. Penso que o filósofo do Existencialismo tem lá a sua razão: a história construída em cada ano deve ser vivida como um dado a ser considerado na construção de novas etapas, de novos tempos. Assim foi 1789, 1968 e, toc, toc, toc, Deus nos livre!!!, 1964.
O ano de 1789 acabou? Não. Vivemos ainda na luta pelos seus ideais. A Revolução Francesa continua inacabada. Está em processo de realização dos seus princípios. Depois dela, outras revoluções se sucederam: a Bolchevique, em 1917, e a Cubana de 1959, esta sob o comando de Fidel Castro, além da 1ª e 2ª Guerras Mundiais, que refizeram o perfil do mundo, tanto ideológico, como geográfico e economicamente. Ainda assim, sempre estamos a lutar pela liberdade, pela igualdade e pela efetivação da fraternidade, talvez porque a Revolução Francesa tenha sido, na sua origem, burguesa, porquanto iniciada pela elite econômica e patrimonialista descontente com o Antigo Regime, atingindo o seu ápice numa ditadura terrorista, onde as cabeças rolaram na guilhotina, sem poupar os primeiros e mais radicais revolucionários, como foi ocaso de Robespierre, decapitado, até porque defendia o terror: “A virtude sem o terror é impotente, o terror sem a virtude é fatal.”
Bem depois, 1968 permanece vivo. A juventude abalou os alicerces da França, tomando conta das ruas de Paris, unindo-se à luta operária contra a política de De Gaulle, que saíra fortalecido de um plebiscito que estabeleceu o sistema presidencial, dando-lhe poderes monárquicos. Nesse 1968, que permanece inacabado nas lutas e conquistas de direitos, fortaleceram-se os movimentos feministas. A mulher alcança a liberdade sexual, com o advento da pílula anticoncepcional. E as matanças sanguinárias e hediondas perpetradas pelos soldados americanos na guerra do Vietnã são mostradas nas televisões, como denúncia da crueldade brutal praticada contra um povo, que resistia para viver livre segundo a sua consciência. O genocídio contra os vietnamitas veio à tona. O inacabado 1968 foi o ano das revoluções de costumes e ideias.
No Brasil, em maio de 1968, têm início os grandes movimentos sociais, reunindo uma multidão de mais de 10 mil pessoas, entre estudantes, operários, artistas e intelectuais, liderados por José Ibrahim, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, uma das principais lideranças operárias do país. A repressão foi violenta contra os trabalhadores, com intervenção nas confederações, federações e sindicatos, além das rotineiras prisões. 1968 insiste em viver. O trabalhador brasileiro continua luta pela dignidade do emprego e, agora, mais do nunca, contra a terceirização, o maior sonho do capitalista-patrão, e pior pesadelo da classe operária.
Os anos não morrem.
Como assombração, 1964 veste-se da fantasia tirânica da legalidade, e apropria-se de 2015, com as mesmas vozes e personagens que fizeram o coro do passado, contaminados pelo ódio fascista, a reeditar os anos de Hitler. Nada mudou. Apenas o ódio, destituído de quaisquer resquícios de consciência democrática. Enfim, os anos de refazem ora como tragédia, ora como farsa, na secular frase de Marx.
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