Aureliano Neto*
1968 foi, na feliz expressão de Zuenir Ventura, o ano que não terminou, porquanto marcado pelos movimentos contestórios de massa, especificamente no Brasil e na França, os quais serviram para promover as grandes transformações sociais e políticas que se operaram no mundo, ainda repercutindo nos dias atuais. E o ano 2013? Acaba-se ou não, no dia 31 de dezembro? Só a história o dirá. Mas, sem nenhuma dúvida, é um ano caracterizado por muitos eventos que o diferenciarão de outros que findaram antes de terminar. Neste 2013, sobrelevam-se os movimentos sociais de junho, por alguns criminalizados e por tantos outros enaltecidos à condição histórica de afirmação do processo democrático, na medida em que a cidadania ativa ocupa as ruas para espargir o grito da sua desilusão, ou do pleito de uma sociedade mais humana. Refletindo sobre esses acontecimentos, o ministro do STF Luis Roberto Barroso, em recente texto que deu publicidade em portais jurídicos (As ruas, a opinião pública, a Constituição e o Supremo), ao referir-se às causas dessas manifestações, o faz afirmando que "o nível de consciência cívica e de compreensão crítica da sociedade se elevou nos últimos anos, em razão da democracia e dos avanços socioeconômicos". E, assim, como consequência, as pessoas se tornaram mais exigentes em relação às prioridades, questionando os serviços públicos e os índices alarmantes de corrupção, que maculam todos os estamentos do poder, não excluindo qualquer segmento político, quer seja federal, estadual ou municipal. Nesse tom, além da ação penal denominada de "mensalão", São Paulo vive o drama da máfia da propina dos fiscais municipais e do tremsalão, com desvio de milhões e milhões de dólares, envolvendo figuras proeminentes de partidos políticos que militam no campo da oposição. A quem recorrer? - eis a questão.
Muitos, nesse apagar do ano de 2013, gostariam de estar cantando o tema musical de Luzes da Ribalta, de Charles Chaplin, cujos versos, em versão para o português, de autoria de Antônio de Almeida e João de Barro, são: "Vidas que se acabam a sorrir / Luzes que se apagam, nada mais / É sonhar em vão tentar aos outros iludir / Se o que se foi pra nós / Não voltará jamais / Para que chorar o que passou / Lamentar perdidas ilusões / Se o ideal que sempre nos acalentou / Renascerá em outros corações." A história se fez e se refez no ano de 2013. E ela é feita por todos nós. Alguns no papel de atores principais; outros como meros coadjuvantes. Mas "para que chorar o que passou e lamentar perdidas ilusões". E a história nos concita a construir e reconstruir nossos ideais. O trem, com vários vagões, segue o trilho da história, e não há parada, ainda que contenha o do escândalo do metrô de São Paulo, como o do "mensalão" da Ação Penal 470, julgada, com inaudita repercussão, pelo STF, vai passando, deixando para trás, mesmo se fosse uma locomotiva do passado, a fumaça que o vento cada vez mais espalha, para que a história seja lembrada e nunca se apague da memória contemporânea e dos que vêm chegando.
Em 2013, o mundo sofreu impactos violentos. Ora de natureza econômica, ora cultural, ora no campo político. A crise econômica europeia e da América do Norte tem afetado o sistema capitalista, fazendo com que os norte-americanos buscassem amparo nos postulados do Estado do bem-estar social, provedor dos que vivem abaixo da linha da pobreza. Não houve escapatória. Os países europeus, com exceção da Alemanha, que manteve no comando a chanceler Angela Merkel, vivem o drama do desemprego e do desequilíbrio econômico. No âmbito cultural, consolidaram-se novas estruturas familiares e, aqui bem perto, no Uruguai, presidido pelo marxista e ex-guerrilheiro tupamaro José "Pepe" Mujica, o uso da maconha é legalizado, com controle do Estado da produção e comercialização, podendo os usuários fazer cultivo em suas casas, além de organizarem cooperativas de consumo. Na política, a vitória de Obama, reelegendo-se para um novo mandato, sob a bandeira principiológica do Estado do bem-estar social, cujas ideias receberam a resistência da direita conservadora norte-americana. Em contraponto, na França, foi eleito o 24º presidente, que chegou ao poder pelo Partido Socialista. Do que se deduz, como ocorreu, em 15 de novembro, no Chile, já no apagar da luzes de 2013, com a eleição de Michelle Bachelet, a esquerda sai fortalecida neste ano que chega ao seu final, marcado por grandes movimentos reivindicatórios.
O Brasil não deixou passar o trem da história. Viveu-se um 2013, caracterizado pela supremacia do Poder Judiciário, em que o Supremo Tribunal Federal exerceu, em circunstâncias anômalas, atividades próprias do legislador. Foram onze julgamentos importantes, que interferiram nas áreas de competência dos outros poderes, o que levou à condenação de alguns segmentos por considerarem "excessos de judicialização". Dessas decisões, podem ser citadas a deliberação acerca da ordem cronológica dos vetos, a perda do mandado do parlamentar em caso de condenação criminal transitada em julgado e o cabimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470. Esse ativismo que é, por muitos, condenado; é, por outros, aplaudido. O processualista Nelson Nery Junior considera o ativismo judicial, protagonizado especificamente pelo STF, uma imbecilidade, por ser contra o Estado de direito, caracterizado pelo autoritarismo, já que o Supremo não pode mudar a Constituição, mas interpretar.
O ano de 2014 que se aproxima talvez aponte outros caminhos. Todavia, deve ser dito: o ano de 2013 ainda não terminou, nem terminará. Foi um ano rico em propostas de mudanças, em vontade de mudar, com a prevalência do grito da cidadania, que encheu as nossas ruas e praças públicas, clamando pela revalorização de sua dignidade. Enfim, foi ano de afirmação e prevalência da dignidade do cidadão brasileiro. Portanto, essas questões não se esgotam em apenas doze meses.
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