Mateus, porém, não consegue esquecer-se por um só instante da grande festa que será realizada naquela noite na casa de seu MANÉ FOLHÁ, no lugar Baixa da Folha, animada pelo conjunto musical do primeiro sem segundo, o famoso Zé do Bule; o comentado e respeitado ZÉ DO BULHO, o maior “tucadô” daquele chão que já tocou no carnaval no CASINOl em São Luís e até no Rio de Janeiro. Famoso “até debaixo d’água”, principalmente agora que o ZÉ DO BULHO tá de rebeca nova, novinha em folha que custou setenta contos de réis, disso todos sabem. Ainda mais porque setenta contos de réis é dinheiro que muita gente nunca nem ouviu falar.
- Setenta contos de réis?! Papai como é que a gente conta setenta contos de réis???
Na “companha” de Mateus, também lá se vai sua mulher Filipa (Filipa de Joana de Gi), com o bucho por acolá; levando uma trouxa de farinha equilibrada sobre a cabeça e uma muqueca de quatro traíras salpresas, debaixo do braço. E agora com uma bruta masca de fumo na boca. Cada cuspalhada que cruz-credo!!!
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Às sete e pouca o casal chega à porteira do roçado, lá naquele “fim de mundo”, em terras de Antônio de Inez, o dente de ouro! Mateus se benze e solta o refrão; “nas horas de Deus e da Virgem de Maria”. Ainda sem tijupá, “arreia” as tralhas debaixo de uma sombra à beira da cerca, apronta um cigarro de palha, vai logo pitando uma baforda por trás da outra e sem perca de tempo, engata firme no eito da coivara, limpando de qualquer jeito, devorando ribanceiras e, de vez em quando Mateus  gritava aos cachorros que  atiam no mato um sonoro etchôôôô... que desde cedo rastejavam uma cotia. Pelo latido dos cachorros, Mateus sabe a caça que está sendo perseguida.
Vez por outra, porém, resmungava: - Isso aqui tá uma merda. Fogo aqui “quemô” ruim. É que nesse ano ele não ouviu a lição de experiência de seu aparentado Apolônio de Carú e tocou fogo na roça à época da Lua Nova. Resultado: queimou mal, “ruim pa peste”. Muita coivara, trabalho dobrado. Ele ficava um tanto “disimpaciente”, mas quando se “alembrava” da festa de seu Mané Folhá, Ave-Maria-cruz-credo! Toco voava, coivara queimava... patacho trabalhava. Mas agora ele já sabe: queimar roçado pra coivara pouca é no  Quarto Minguante, na saída da lua. Aí sim, tá no ponto! Queima que varre!!!
Bem perto, do outro lado da “baliza” divisora ao seu roçado, estava Antônio de Lionço com quatro trabalhadores, num bate-boca danado, num fuzuê amuado, num converseiro dos quintos – era a grande festa de seu Mané Folhá. Eram as comemorações do Natal que trazia solitária e quase única alegria para aquela gente cansada e curtida de sol a sol. É ali onde se festeja o Natal sem árvores de enfeite, sem luz elétrica, sem papéis de presente e de resto, sem mais nada.
A um raio de mais de meia légua, todos estavam incrivelmente ansiosos e inquietos “pra que o sol se metesse” porque a água iria rolar na Baixa da Folha. Vamos lá meu filho! Levanta o pé, toca pra frente, te  “alembra” da Baixa da Folha e toca pra frente. Era assim que o pai dizia ao seu filhote - o Cabeça de Prego - estimulando-o ao serviço e de olho na festa daquela noite.
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Em verdade, contudo, as exceções eram poucas. É que naquele dia iria haver um BAMBAÊ, na casa de Maria de Caetana, lá na “Santa-Olaia” que apenas o seu pioneiro Procópio Palitô intitulava-a corretamente: “Santa Eulália”. O BAMBAÊ, um rito afro, constitui-se numa dança animada por uma percussão de duas ou três caixas – espécie de grotescos e improvisados tambores, espancados por duas baquetas, manejadas pelas “caixeiras”, que com a linguagem sertaneja, própria de todos ali, improvisam versos em tom de cantoria e repique (resposta). São versos que revelam a vida, a rotina e os costumes do lugar. Se estiverem duas ou mais caixeiras, cada uma improvisa o seu verso em resposta (“repique”) ao anterior ou pode então, dar início a um novo debate.
- Maria foi pô poço / Juana panhar Ingá / Maria chegô premêro/  Juana custô vortáááá´...
A outra responde:
- Juana custô vortá / Maria Chegô premêro / Maria saiu na frente / Juana por Derradêêêro...
A terceira emenda:
-  Juana tava de caso/ com o home da oficina / Juana deitou na folha / o home deitou em cima.
E assim caixa caixeiras e versos repinicam noite a dentro. Enquanto isso, os pares de negros fogosos, sedentos e suados, camisa molhada, cheiro forte, suor forte e desodorante vencido, sapateiam e rodopiam a noite inteira, num ritmo só, num toque só, variando apenas no versos com sabor de deboche, intriga e provocação - num ambiente “alumiado” pela pouca luz de umas duas ou três lamparinas; recinto que só faz lembrar a Senzala, dos idos da escravidão.
Vicente de Ozébia e Joana de Bastião, apontados com os maiores “dançadores” de BAMBAÊ, já estão combinados de fazerem par naquela noite. E dizem as más línguas que eles estão “encaseirados”. Dizem até que Vicente está fazendo casa, comprando caldeirão  prato e colher e outro bregueços e que vão morar juntos.
Quando entretanto, perguntam:
- Vicente, rapaz, dizem que tu tá faturano Joana de Bastião??? Vicente responde meio garboso, impetuoso, sentindo-se o dono do pedaço mas se saindo do fuxico: Mas cudiacho, qui lá nada. Eu  tô é lascado. Tô lascado. É como Vicente nega o fuxico.

(CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO)

* Viegas questiona o social