(No Banco dos "Descontos")
Nove da manhã. As pessoas estão naquela grande sala daquele banco. Aquele que na mídia aparece um cara montando (instalando) uma placa de publicidade e outro a distância, acompanhando, fazendo gestos e sinais indicativos pela melhor posição do quadro (da propaganda), uma mídia que, aliás, chamou a atenção das pessoas para a noção do equilíbrio, da boa apresentação e da qualidade. Essas coisas da mídia! Não digo o nome, claro, primeiro porque o jornal pode nem publicar; depois porque neste país dos danos morais", de repente, quem sabe, estarei atentando contra a "moral" desse Banco dos "Dez-contos".
Sim, mas e daí? E daí que era plena nove da manhã, e o povão lá... esperando o atendimento oficial que começa às onze. Até aí, digamos, tudo bem. Mas o deplorável e constrangedor ali era ver homens e mulheres - pessoas de boa idade e de mediana idade - sentadas ao chão, à espera - num cenário, digamos, incompatível, degradante para com a dignidade e o cenário de um banco. Logo ele, um banco, senhor do ouro e da prata, neste chão de desigualdades.
Sabe aquele Banco? Aquele com história de "maior banco privado do país"? Ele mesmo do velho Amador que começou com uma tipografia, que perdeu um dedo e que virou um império? Ele mesmo que, segundo ao que vi publicado, não tem um dono propriamente dito, mas uma instituição é sua dona; tudo isso deixado num intrincado trançado pelo velho Amador? Para evitar que mãos e mentes descomprometidas fizessem dele um bancarrota? Pois é...
Sentar ao chão, dentro de um banco, pode ter um duplo viés. Revela simplicidade, singularidade, necessidade, faz parte da seara dos comuns, os chamados pés-no-chão. Entretanto, olhando noutra ótica, esse ambiente com reflexo de SENZALA revela o desprezo pelo cliente e consumidor; revela a anti-ética; o desrespeito à pessoa humana; a insensibilidade da gestão; a INDIGNIDADE que nisso se assenta; a postura insensata e alheia ao seu público - justo aquele que busca os seus serviços e que, obviamente, PAGA UM PREÇO por isso.
Nesse ambiente que mal cheira e exala um sentimento de abandono e desrespeito e humilhação - não obstante os vidros, a climatização, o ar burocrático, sobressalente e funcional que obviamente deve ter lá dentro; a decoração contrastante como na busca do equilíbrio e organização da placa - em branco e vermelho - bem como o ufanismo pela audácia do pioneirismo em suas investidas, como por exemplo o "Banco 24 horas" e ao cantar do galo na madrugada - tem-se, então, que aquele cenário que exibe em carne e osso e humildade, tolerância e intolerância que por ali permeiam, expostos nas pessoas expostas e sentadas ao chão, aquilo evidentemente fere a moral, fere o SENTIMENTO HUMANITÁRIO e os princípios de civilização e de civilidade não só dos relegados que sentam-se ao chão; com a moral pública de quantos, ao estorvo, assimilam aquela ferida exposta; aquele constrangimento.
A instituição que gerencia o Banco dos "Descontos" deixado pelo velho Amador; esse "maior banco privado do país" e, portanto, senhor do ouro e da prata neste chão dos desiguais; não só a instituição, mas também seus gerentes, chefes e "colaboradores" (nova denominação que se dá aos empregados), há que ver que esse cenário nefasto e inescrupuloso, além de INDIGNO, é atentatório à MORAL cidadã; ao cidadão; aos valores psicossomáticos da pessoa humana, submetidos a esse ambiente degradante de uma SENZALA como mal assim era do desprezo e menosprezo aos escravos-servis.
De outra parte também faz certo que se as pessoas que são empurradas ao submetimento do quanto se submetem - sentar ao chão, dentro de um Banco, aguardando o horário e a vez do atendimento - e não se sentem nem se ressentem por isso, então outros tantos, voltados para o social e para a DIGNIDADE HUMANA, hão que se ressentir por eles. Porque na vida é assim: se uns tantos não têm vergonha pelos seus atos - seja o Banco, sejam os que se sentam-se ao chão, seja a intendência dessa instituição dos "Descontos" - outros hão que sentir vergonha por eles. Sim, porque VERGONHA É PARA QUEM TEM - como na lição do meu velho avô.
E, nessa SENZALA, o apontamento de um item menor, irrisório até: um assento... dois assentos ou meia dúzia de assentos, é o que está faltando, até mesmo para mitigar o sofrimento e o constrangimento de quantos ali sofrem à fila da espera. Isso, para "o maior banco privado do país", não representa nem uma gotícula de água nesse oceano do ouro e da prata. Afinal, até a Delegacia do Segundo Distrito, em Imperatriz, tem um banco com três míseros assentos. E o que não dizer da nossa velha Rodoviária, que também tinha outros tantos assentos?
Enquanto isso, lá dentro, do outro lado do vidro, em sapato alto e nariz empinado, manejam e perlustram os engravatados dessa burocracia cruel, covarde e escravagista - sentados à mesa, indiferentes à SENZALA que se pratica no seio do povão sentado ao chão, mas de olho e à subserviência aos donos de ricas quantias ali movimentadas ou guardadas.
Dizer isso e não dizer nada pode ser igual à mesma coisa. Afinal amanhã, novamente o ambiente de SENZALA há que estar se repetindo na grande sala de "pré-atendimento" desse Banco dos "Descontos". Mas uma coisa fica certo: se eles não têm VERGONHA nem ressentimento nem constrangimento por isso - alguém assim como eu há que ter VERGONHA por eles. Sim, porque, como dito, "VERGONHA É PARA QUEM TEM".
* Viegas é advogado e questiona o social - e-mail: viegas.adv@ig.com.br
Edição Nº 14783
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