Éramos a CASA DO ESTUDANTE SECUNDARISTA DO MARANHÃO, no centro histórico da capital - uma casa obtida de um lesa-Estado e doada pelo Governo aos estudantes secundaristas pobres, vindos do interior. Uns oito apartamentos (quartos) lá em cima, um banheiro coletivo e mais a “GERAL” lá embaixo. A GERAL era o inevitável destino primeiro dos novatos (recém-chegados), este que iam subindo à proporção que os apartamentos “lá em cima” iam desocupando. Eu, por exemplo, morei na GERAL, acho que durante uns dois anos, e quando mudei para o apartamento de cima, sofri com a saudade do grande-quarto-coletivo, lá em baixo.
A casa era um composto de uns oitenta e tantos moradores, todos estudantes secundaristas, da primeira série ginasial ao terceiro ano científico ou técnico (como era a designação da época), todos vindos dos mais diversos rincões do interior do Estado e até mesmo de outras bandas. Tal a diversidade das espécies bípedes que por ali existiam, volta e meia dizia-se que aquilo era um ZOOLÓGICO. E era!
Hoje, lembrando com saudade, eu revejo as virtudes e a bem-aventurança daquele “zoológico”. Cada um cuidava de si; ninguém se metia nem dava palpite na vida de ninguém; não havia furtos. Ninguém mexia com nada de ninguém. Não havia homossexualismo, nem brinquinhos, nem tatuagem, nem droga/s, nem vandalismo, nem desrespeito. Plena mansidão. E tocava-se a vida voltada para a escolaridade e o compromisso para com o futuro. Quase todos uns mais pobres que os outros. Muitos que encontravam-se com a família, no interior, uma vez por ano ou a cada dois ou três anos. Só alguns empregados e a grande tribo feita de desempregados. Uns que cursavam durante o dia e outros estudavam à noite. E eu lá, no meio desse ZOOLÓGICO, já cheguei empregado.
Em meio a tantas feras e outros bichos de pena, havia o RIBEIRO - O GROSSO. O codinome calçava-lhe com justiça. Ribeiro era alto, corpulento, vozeirão arranhado, meio-carapinha, de andar assim um tanto mal-amanhado. Quiçá pelo seu tipo atarracado, RIBEIRO, possivelmente vindo da condição “guarda-costa” de algum diretor, tornou-se membro influente da União Maranhense dos Estudantes Secundários - entidade coirmã que administrava a Casa do Estudante, tudo naquele belo e majestoso casario, vindo do colonial-moderno. RIBEIRO - GROSSO, conquanto diretor da UMES, morava em apartamento da cúpula, o que o tornava mais grosso, em relação aos demais.
RIBEIRO era o tipo do sujeito “boçal”. Era a boçalidade em pessoa. Gosta de ser boçal; fazia questão de ser boçal. Um cara que gostava de aparecer, de exibir um falso poder que não tinha; de sentir-se um fora-de-série. E sabia, sim, que ninguém era capaz de lhe tirar uma brincadeira, um “fiasco” (que era como diziam). E todo o mundo ali no ZOO. E quem não deu para nada tornou-se advogado como eu. RIBEIRO GOSSO mirou no vestibular de Medicina e deu certo. E aí, sim, RIBEIRO GROSSO era o rei da cocada preta!!! E sai de baixo!!!

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Cursando Medicina, eis que uma sua colega de turma, filha de um alcaide e chefe político lá da Baixada, a guisa de uma esticada semana em boca livre, convidou meia dúzia de colegas de curso e lá se foram em passeio à custa dos cofres do povo às terras daquela moça, irmã do prefeito da cidade. Já em tom de despedida e para mais um rega-bofe, fizeram uma festa de despedida com direito a baile de radiola, mesa separada para os acadêmicos de Medicina com tudo pago pelo erário (que é a burra do povo) e o povão ali nas cercanias no olho comprido, no “Clube de Jovens”. E RIBEIRO GROSSO, pelo meio, comendo e bebendo na cuia grande e desfrutando do bom e do melhor. A certa altura da festa, baile troando nas alturas e... na radiola tasca um bolero!! Um bolerão... do tipo Valdick Soriano... Naquele sarau, Ribeiro Grosso caiu como um sapo dentro da lagoa.
Ribeiro Grosso, vindo da ala secundarista, acostumado aos bailes de gafieira e cabarés, das noites de periferia - daqueles que o homem, no compasso e no relaxo, puxa a mulher pra cá, leva pra lá, dá dois traçados no pique e no repique e depois escora a gata nas coxas. Roda pra cá, roda pra lá e... Escora a gata nas coxas. E RIBEIRO GROSSO, domando e dominando a sua colega de curso, filha do cacique e anfitriã dos bocas-livres, ali sentia-se o cara!!! E tome gafieira. E tome traçados... e escora a futura médica nas coxas. Um espetáculo em que ele sozinho esbaldava-se no salão para os olhares incrédulos e extasiados da boa e vilareja sociedade presente.
Deixa que, na festa, encontrava-se o BORGES, irmão da mãe da moça, cunhado do seu pai e cacique político e, portanto, tio daquela jovem donzela que fazia a contracena em marca-passo aos caprichos de RIBEIRO. BORGES era o tipo do cara “perdido”, que no dizer do baixadeiro significa: brigão, encrenqueiro, desaforado, “espírito mau”. Um tipo que arranja uma briga até mesmo onde não tem. E quando BORGES viu que a donzela, educada, elegante e fina-flor sua sobrinha estava ali na contradança aos caprichos de RIBEIRO - puxa pra cá, leva pra lá, escora nas coxas... BORGES não contou até três: foi lá, segurou RIBEIRO pelo colarinho e... tome sopapo! E justificou: “respeita vagabundo, isso aqui não é cabaré. Essa moça é moça de família...”.
Ribeiro se “aspou”, queria brigar, mas já tinha levado dois na cara e a turma do abafa-abafa: para com isso, para com isso, se meteu pelo meio e... sufocou os ânimos. Tinha que sufocar. Mas nisso RIBEIRO GROSSO deu uma carteirada e gritou: “é... porque eu sou acadêmico de Medicina...”. BORGES, que era “perdido” e “espírito mau”, deu um salto por cima da turma do deixa-disso e... lá vai mais um: “toma porque é acadêmico de Medicina”. - Pronto! A festa acabou... E RIBEIRO voltou carimbado: “toma, que é pra respeitar moça de família”; “toma que isto aqui não é cabaré”. “Toma porque é acadêmico de Medicina...”.
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·1 * Viegas é o olhar do pássaro sobre o galho.
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