Monsenhor Estrela era um pároco mais que sexagenário que pregava no rádio. E todos os domingos, lá se vinha Monsenhor Estrela dentro de sua batina preta para o seu evangelho na Rádio Educadora. O meu pai não perdia as suas pregações. E então um dia ele disse que “o homem deve sonhar os seus sonhos; viver os seus sonhos, buscar os seus sonhos”. O meu pai me disse isso com os olhos brilhando, logo ele, um sonhador que tantas vezes acordado nas noites, punha-se a idealizar os seus sonhos, ou ainda que na roda do dia, riscando ao chão, fazendo planos, pensando em voz alta, projetando os seus ideais. E, como o meu velho avô, ao seu tempo já ensinava que “quem puxa aos seus não degenera”, então puxei ao meu pai, na peregrinação dos meus sonhos. Hoje, eu olho no tempo e estabeleço um parâmetro entre os sonhos de um momento e a realidade que se fez e faz e tudo isso me deixa cada vez mais um homem de pés no chão. E então, agora, eu vejo na penumbra do passado os sonhos de um tempo.
Queria ser artista de circo. Na minha cidade (na VILA), de tempos em tempos aparecia um circo por ali. Eu ficava fascinado com o circo, o palhaço, o artista, a molecada gritando o palhaço na rua, o teatro, o espetáculo! Mas eu só tinha vaga noção. Não tinha um tostão. E o circo então passava de longe - apenas no meu imaginário. Um dia, porém, estive lá. Era o CIRCO TEATRO RISO DA MOCIDADE. O artista chamava-se GALBA. Galba dominava o trapézio, dava voos rasantes lá em cima e a gente cá embaixo ficava com o coração nas mãos tais os riscos que aquilo me sugeria. Ao final de suas estrepolias, GALBA, qual um gavião saltara ao chão, impávido, inteiro – abria os braços genuflexo e a plateia caía ao delírio. Eu ali nas gerais, ficava me vendo “voando”, qual um GALBA, recebendo o calor da plateia – então eu que queria ser ARTISTA DE CIRCO. Um sonho do qual sequer passei por longe. Mas como diria Monsenhor Estrela: “ainda que a gente não realize, mas ainda assim devemos insistir por sonhar os nossos sonhos”.
O PÃO: Um dos indeléveis sonhos que tive na vida era acalentar a esperança de que um dia iria crescer e ter em mãos o dinheiro para comprar pães que tanto me apeteciam. Eu via o pão, sentia o seu cheiro, achava-o bonito, tentador, mas não tinha dinheiro para adquiri-lo. Então, por muito tempo acalentei no imaginário e na convicção de que um dia teria dinheiro farto no bolso para comprar tantos pães quantos me apetecessem. Cresci, passei a ter o meu próprio dinheiro e aquele pãozinho tradicional, com o tempo, desapareceu dos meus ideais. Ainda assim, diante das mais diversas situações, o “pão” que agora reveste-se de outros alimentos tantas vezes compõe a realização de um sonho. Um sonho que, enfim, realizei!
E EU QUERIA SER MECÂNICO: Certa feita na minha cidade, à luz do dia, eu vi um homem bem posto, alinhado, bem vestido com o seu Jeep, “pregado” na rua. Era o tempo do Jep Willys. Então o homem desceu do carro, levantou o capuz, mexeu, deitou-se ao chão sob o carro – sujou-se de óleo e graxa, como se nada estivesse acontecendo. Depois de um tempo, consertou-o e foi embora. Eu fiquei fascinado com aquela cena. Ademais a palavra MECÂNICO mexia com o meu ego, soava bonito. O homem ali se me revelava uma pessoa idônea, determinada, próspera e consciente. Afigurava-se-me ali, também, ser um “MECÂNICO” ou... entender de mecânica. Então eu queria ser MECÂNICO. E quando fui cursar o secundário (o ginásio) na minha pranteada e amantíssima Escola Técnica Federal, onde ali havia o currículo em seis oficinas, logo escolhi: MECÂNICA, onde fiquei por quatro anos. Hoje não sei apertar um parafuso. E descobri que eu deveria ter ficado mesmo era na MARCENARIA, da qual tenho todas as ferramentas manuais e elétricas e vocação para tais exercícios.
ATENDENTE DE BAR: A dura vida a que por vezes nos submetemos também nos leva a sonhos e ideais. Ainda que em vão. Foi a dura vida e a barriga apertada que me levaram a sonhar com o pão – essa mesma vida que mais tarde me faria sonhar em... ser atendente de um serviço de bar. Por quê? Por que ali teria, certamente, ora um guaraná, ora um refresco, um refresco com pão. E quantas vezes, na minha imaginação, eu me via vestido num jaleco branco, qualquer coisa escrita ao bolso, e eu trabalhando no bar. Nadinha! O bar seria apenas o entreposto para o meu primeiro emprego e para o refresco com pão – um sonho que por esse viés nunca realizei mas que, acordado, tantas vezes eu buscava essa realidade.
O sonho de voar: Um dia me peguei sonhando, queria voar! O ULTRALEVE era uma engenhoca motorizada, nos anos 70, 80 - que a gente volta e meia de cara para cima, via aquilo pelos ares. Aí eu queria voar. E estava a meio caminho desse ideal. Certa feita, viajando “Parazão” a dentro, fiquei pregado da estrada de um fim de madrugada ao começo do dia. Tudo por falta de um simples macaco. Terra firme, tempo bom, casas por perto, carros passando, cachorros latindo e eu lá, em mais de duas horas à espera de socorro! Nesse drama, imaginava então se tivesse num ultraleve, no meio da mata, em cima de galhos de árvores, caindo num roçado de tocos, num rio de piranha ou envolvidos na rede elétrica de alta tensão. Bem ali dissipou-se o meu sonho de voar.
ADVOGADO: Interessante e por vezes inusitado, como as coisas nos acontecem. Eu tinha concluído o 2º grau, mas não tinha a direção a seguir. Ainda não tinha me definido sobre o que fazer na escolaridade. É que a esse tempo, em plena capital, eu não tinha acesso nem a jornal, nem a revista nem a rádio, nem a TV e vivia “perdido”, no ar. Um dia, porém, escrevi um artigo de protesto, assinado, no jornal. Dia depois mais outro. Deu certo. Aí qual um D. Pedro às margens do Ipiranga eu dei um grito: “quero ser advogado”. Estou nesse barco faz 38 anos! E quais os artigos do jornal que me inspiraram, e qual o grito de D. Pedro, no Ipiranga - também deu e está dando certo!!!
LOCUTOR DE RÁDIO. Esse sonho foi mais quem um sonho, foi (e é) uma odisseia!!! Garoto, naqueles sertões, deveria ter uns três rádios num raio de quilômetros. Então a gente e por ali eu também me punha aleatório a “escutar o rádio” em casas alheias. E os caras falando... falando... por vezes coisa que eu mal entendia. E logo eu também queria ser “locutor”. Na cidade grande fiz de todas: fiz testes públicos, fui “foca”, estagiário (perdido na multidão), fui zombado e eternamente candidato a candidato a locutor. A oportunidade veio com a Rádio Imperatriz, onde fiquei por 12 anos e dei por realizado esse meu sonho. Hoje continuo no rádio – NATIVA/FM, onde tenho um quadro “RÁDIO VERDADE”, e MIRANTE/AM, onde escrevo uma “PÁGINA DE SAUDADE”. Desses mesmos desvãos sonhei com o JORNALISMO - e aí são quarenta e tantos anos na tangente, à margem do jornalismo – nem lá dentro, nem lá fora. E me contento com estes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.

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* Viegas - como no olhar um pássaro sobre o galho - questiona o social. Email: viegas.adv@ig.com.br