São Luís (do Maranhão), como se sabe, é uma terra feita de costumes portugueses, desde a sua gestação. De sorte assim que aquela Ilha Sagrada, vinda de um tempo colonial, com suas ruas estreitas, seus casarios coloniais, seus paredões em azulejos - azulejos que emolduram e identificam a cidade - é marcada e remarcada pelas heranças de Portugal. Honra-me lembrar que cheguei a São Luís aos onze anos de idade em "calças curtas e pés no chão" e de lá saí aos 27 com diploma de "doutor", como costumava dizer. Foi por onde comecei a fazer e a desatar os nós da vida.
Deixei São Luís, mas São Luís não me deixou. E de lá guardo lembranças indeléveis e memoráveis daquele meu tempo - primeiro de um garoto vindo do interior abismado com tudo; depois levando a vida na escolaridade - no internato daquela minha sagrada e consagrada; dourada e prateada e eterna Escola Técnica Federal; depois naquela minha Casa do Estudante, primeiro emprego, namoradinha de mãos dadas, braço aos ombros e os sonhos de rapaz. E assim subindo e descendo ladeiras que fazem  os altos e baixos da vida. Vida de um tempo; vida que se fez em ferro e fogo, na água e no ar para poder agora lembrar, cantar e decantar...
São Luís, filha e cria das coisas de Portugal, era pontilhada por mercearias, supermercados e outros gêneros de comércio dos lusitanos que por vezes, nos desvarios da linguagem, chamavam de "portuga" ou... de "patrícios" designação esta que era como os lusitanos gostavam. Num desses vai e vem, já enturmado, entendido e me sentindo "filho da cidade", acabei por ir bater num estabelecimento de um portuga, na Rua Grande, no centro da cidade, uma espécie de "bar e mercearia", tudo bem ao estilo lusitano, como a gente podia ver.
É aí onde entra o queijo que enseja este título e que me persegue, faz esse tempo todo!
É que naquele "bar e mercearia", o português servia um sanduíche de queijo. Esquentado na chapa. E eu ali, peruando no recinto. Aí o portuga pegava um baita pedação de um queijo amarelo-gema e com a faca, retirava generosos pedaços de uma casca vermelha que descartava ao lixo. Foi ali onde eu me perdi e fiquei fascinado, louco para devorar ainda aquela "casca do queijo". Não tinha nem tive coragem de pedir, porque até hoje não sei pedir. E saí dali, vencido, derrotado, doido por um pedaço daquele queijo, ainda que fosse a casca do queijo.
E aquele momento, aquela cena, aquele "bar e mercearia", aquelas talhadas em casca de queijo, aquele queijo amarelo-gema, aquela tarde do meu tempo de rapaz, aquilo tudo enfim marcou a vida e o meu imaginário. E daí em diante, tantas vezes senti-me perseguido, provocado e tentado pelas lembranças daquele cenário que minhas mãos e que a minha gula não conseguiram alcançar. Uma miragem que nem o tempo me perdoou, porque volta e meia essa miragem pairava e ainda paira sobre a minha imaginação...
O mundo deu voltas e põe volta nisso! Até que um dia... até que um dia, algo como uns  trinta anos depois olha o que vejo em tempo de semana-Santa, bem ali no Mercadinho?! Olha?! Justo aquele queijo! O QUEIJO QUE PERSEGUE. Queijo-de-cuia, pelo seu formato, na linguagem popular. QUEIJO DO REINO (do reino de Portugal), coisa fina, aquele mesmo, mesminho amarelo-gema! Aquele da casca vermelha! E eu lá... agora "montado no dinheiro", não me aguentei. Vou tirar a forra, pensei. Comprei logo um inteirão, todinho, meu e só meu. E pensei: vou comer com casca e tudo para descontar aquele tempo do "portuga", lá no Bar e Mercearia daquela minha tarde de rapaz.
E me toquei rumo de casa. O envoltório (a embalagem) do queijo é de uma proteção metálica. Olha a mão de obra! Qual uma diva na cama, inteira e fagueira, disposta e entregue e escancarada, estava ali o queijo, inteiro e escancarado à minha mesa. Ele mesmo,  amarelo-gema, de casca vermelha. E me passei... e descontei... e me realizei...
O tempo continuou na giratória. O queijo do Mercadinho desapareceu, mas o bar e mercearia do portuga continuaram no meu imaginário, como no imaginário ficaram aquelas generosas talhadas de cascas vermelhas jogadas ao lixo; aquele amarelo-gema e tudo aquilo ali, lembrando os meus anseios e refreios e tentações e frustrações daquela minha tarde do meu tempo de rapaz. Ah se o meu dinheiro desse.. Era como eu suspirava.
Por último vou ao MATEUS, e nas gôndolas de laticínio, a inevitável e invariável visita de sempre! Vou lá e encontro justo ele, o QUEIJO DO REINO, agora em talhadas, e porções. E eu me esbaldo e mando a conta para o cliente e provedor. Mas nunca me esqueço de agradecer: "Obrigado meu Deus", por mais este novo dia!
Esse coloquial me persegue de tal maneira, que faz anos, venho pensando e tentando escrever este tema e queria dar a feição que disso você vê. E só agora, quase meio século depois, consigo traduzir aquele ambiente de bar e mercearia do "patrício", aquelas talhadas vermelhas da casca de um queijo amarelo-gema, vividos naquela minha tarde de rapaz.

* Viegas é "cidadão de Imperatriz", 41 anos por aqui. E questiona o social - e-maill viegas.adv@ig.com.br