(Texto de Daniel dos Santos Sousa)
Certo dia estava descansando em uma rede estendida na varanda de minha casa quando percebi alguns pedaços de capim envoltos de minúsculas folhagens secas caídas no chão da varanda. Ao vistoriar o local a fim de descobrir a origem da "sujeira", percebi que em cima de uma pilastra, próximo ao telhado, estava um emaranhado de vegetação. De imediato e precipitadamente, conclui que se tratava de um "ninho-de-ratos". Para me livrar daqueles supostos "mal-vindos" hóspedes, limpei o ambiente e joguei-o fora.
No dia seguinte, para minha surpresa, lá estava no seu devido local o intrigante "ninho-de-ratos". Repeti, então, a retirada do ninho, deixando o lugar sem "sujeira". Surpreendentemente pela manhã do outro dia, ao abrir a porta, deparei-me com uma mamãe sabiá reconstruindo seu ninho, galho-a-galho, folha-a-folha, nos seus mínimos detalhes. Ninho este que por duas vezes eu havia destruído.
Eis a primeira lição que tive do pequenino e frágil pássaro: "devemos ser persistentes com nossos projetos de vida, mesmo que pessoas tentem nos desanimar, ao ponto de destruir nossos sonhos". A partir de então, passei a monitorar as atividades daquele pequeno ser magistral em nobres ensinamentos. Passados alguns dias, aproveitando a ausência do pássaro, fui checar o ninho e constatei que havia três ovinhos. Em algumas semanas, tínhamos em casa mais três novos pequeninos e "bem-vindos" hóspedes.
Tive a oportunidade de presenciar a "ralação" diária da mamãe sabiá alimentando, cuidadosamente, seus "bambinos", ora trazendo comida para um, ora para outro e assim sucessivamente, num frenético vai-e-vem. Era notável o semblante cansado daquela mãe. Ainda bem que mães-pássaros não trocam fraldas nem dão banho nos filhotes, porque se assim o fosse coitado daquele sabiá!!!
O tempo passou e os filhotes cresceram. Ficaram fortes e as penugens de outrora se transformaram em belas penas, caracterizando essa espécie de pássaro, fonte de inspiração do imortal poeta, maranhense de Caxias, Gonçalves Dias (1823-1864), considerado, pelos críticos literários, o maior poeta romancista brasileiro, ao declarar, poeticamente, em sua obra literária Canção do Exílio (1843) que "em minha terra tem Palmeiras onde canta o sabiá...".
Em uma bela e ensolarada manhã, ao chegar do trabalho, observei que os três jovens sabiás estavam projetados para fora do ninho, reconhecendo seu novo e estranho habitat. Com o intuito de admirá-los de perto, peguei a escada e fui ao ninho. Neste momento, percebi um voo rasante próximo à minha cabeça. Era o primeiro voo de um daqueles filhotes de sabiá!!! Inexplicavelmente, tive a mesma sensação paternal ao observar os primeiros passos de um filho... Envolvido por um estranho impulso (sentimento), desci rapidamente da escada e fui atrás do filhote para devolvê-lo ao ninho.
Com certa dificuldade, consegui capturá-lo e ao tentar colocá-lo no ninho repetiu a "escapadinha", não querendo mais ficar no ninho, pois descobriu e provou a liberdade de poder voar. Poucos minutos depois, abandonou o ninho por definitivo. Em seguida, acompanhando o exemplo de seu irmão, lá se foi o segundo sabiá. Restando apenas um. O "último dos moicanos". Lá está ele no ninho, com aspecto solitário e meio amedrontado. Mas é por pouco tempo, pois já está projetado observando o horizonte, só esperando a hora do seu primeiro rasante.
No momento do rasante do primeiro sabiá, seus pais voaram para a varanda e passaram a emitir fortes sons. Percebi que eram sons de preocupação com o filhote fujão. Entretanto, nada puderam fazer para evitar que seus filhotes abandonassem o ninho, a não ser emitir sons de "lamentações", que denotavam uma espécie de despedida.
Eis a segunda lição, desta vez dada pelos jovens sabiás: "Quando os filhos crescem, tornam-se independentes dos pais e experimentam o prazer da liberdade de viver, deixam a casa dos pais e seguem rumo à construção de sua vida. Cabendo aos pais a importante e intransferível missão de dar suporte a um "voo" seguro dos seus filhos, ou seja, o encaminhamento para uma vida repleta de sucesso e conquistas, desde o engatinhar até a formação profissional e moral."
Assim foi o primeiro voo dos sabiás que muito me ensinaram, trocando seu habitat natural para formar morada em minha residência, a fim de ministrar lições de vida que serviram de fonte de inspiração para a produção desse tema que de oportuno ofereço à minha mãe Hilda, a meu saudoso pai Paulo, a meus irmãos Saulo e Yêda, a minha esposa Edinalva, a meus filhos Maria Eduarda e Arthur Henry e a você, meu grande amigo e mestre Dr. Viegas, eterno questionador do social em sua peregrinação nos seus "caminhos por onde andei".
* Daniel dos Santos Sousa é Tenente do Exército Brasileiro
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Por vezes fico a cismar sobre certos meneios da vida. Vejo, por exemplo, que num grupo de dezenas, centenas à nossa volta, só uns ou outros, nos tocam mais de perto, tornam-se mais íntimos, amigos. Comemos do mesmo prato, até. Foi e é assim com DANIEL, militar graduado que serviu em Imperatriz; que foi embora faz anos. Via do contexto cristão-católico, tornamo-nos mais próximos. São as encruzilhadas da vida! Tanto assim que tal a afinidade que nos une, até hoje compartilhamos nossas ideias e comemos do mesmo prato, tanto lá quanto cá. Faz tempo e DANIEL me mandou o texto acima.
Justo no local em que ocorre a cena e o drama, distante em mais de 600 quilômetros de Imperatriz, em sua casa, tive a oportunidade de presenciar o frenético movimento e o cântico esparso dos adultos-figurantes da cena e tantos outros em volta. Já naquele tempo, havido os primeiros impasses entre o escriba e a personagem-mãe de que narra o texto, fiquei enternecido com as lições havidas, do que soube mais ainda, posteriormente, em busca de notícias sobre tais personagens. E DANIEL me reenviou o texto que eu, perdulário e irresponsável, deixei perdido na minha caixa postal da NET. Hoje, cada qual para o seu lado, mas ainda assim enlaçados pela afinidade - SABIÁS, DANIEL e eu - o tema volta à baila, trazendo lições fortes, marcantes, decisivas. E eu posso ver o quanto A VIDA CONTINUA na tradução de um "olhar" ao natural desse meu incorrigível amigo, DANIEL.
* Viegas questiona o social.
Edição Nº 14581
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