De vaga lembrança, ainda moleque, acho que li um texto ou ouvi um ditado que dizia que "o homem dos sete instrumentos não toca bem a nenhum dos sete". Não entendia o recado, mas fiquei com isso na cabeça. Já "grandinho", um dia ouvi do meu pai onde ele dizia que não queria que eu fosse um "tocador" (um músico). Por que pai? Perguntei. É que o "tocador" marca vários tratos ao mesmo tempo. Foi o quanto me disse. Hoje eu penso que era o meu pai aborrecido com algum "tocador" que lhe passou a perna, descumpriu o trato, ou os exemplos a que vira.
O tempo passou e... "o homem dos sete instrumentos não toca bem a nenhum dos sete" foi criando massa de verdade no meu entendimento e me permitiu ver que pessoas que fazem várias coisas diferentes ao mesmo tempo ou simultaneamente - ora não completam suas tarefas, ora fazem-nas mal feitas. E assim por diante. Nesse contexto, ainda nos bancos escolares como enfim na vida, também aprendi que "toda regra tem exceção". E é, pois, dessa exceção que me volto agora a essa velha regra de que "o homem dos sete instrumentos não toca bem a nenhum dos sete".
Faz tempo, conheci na feira do Bacuri a NALVA, uma vendedora de polpa de açaí. Uma jovem senhora, simpática, espontânea, comunicativa. Tornamo-nos amistosos. Atraído pela amizade de NALVA e pelo seu açaí, numa tarde lá se vou eu, a esposa e minha mãe à casa da NALVA, no lugar MIL E DUZENTOS, a 30 km de Imperatriz, na rota de Açailândia. De chegada fiquei impressionado com a solidez, a "arquitetura" da casa da anfitriã. Quis saber do pedreiro que a construiu. Pronto! Estava ali mesmo! Era o SALVADOR, o seu marido! Logo descobri que naquele homem que se mostrava retraído, quase calado, ali havia um diamante em profissional. E logo imaginei que poderia "tirar coco desse coqueiro". E declarei: você vai ser o meu pedreiro.
Estamos em parceria de trabalho e amistosos, faz mais cinco anos. E descobri que SALVADOR é um homem dos sete instrumentos que toca bem a todos os sete. Imagine que aquele jovem senhor era até há pouco tempo, um simples "juquireiro" (um roceiro), depois com passagem profissional na produção comercial de polpa de açaí. E que por mera intuição arquitetou e construiu aquela casa, de um pé direito; de um telhado padrão; de varandas bem criadas e trabalhadas - ele sozinho. Mais tarde, incomodado com um "som" do seu vizinho, desfez-se daquele bonito "bangalow" e então, igualmente sozinho, construiu noutro lugar uma nova morada. Pronto! Tornou-se um novo pedreiro! E o que é melhor: um pedreiro de qualidade!!!
Trabalhando a meu serviço, resolvi mandar-lhe para outra frente: a pintura. Incrível! O operário fez tudo correto, nada deixando a desejar. E na sequência: faz serviços de carpintaria e de encanação hidráulica, tudo perfeito! SALVADOR, porém, tem medo de choque elétrico e, por isso, não queria se aventurar em serviços da área, mas ainda assim demonstrava uma breve noção da tarefa. Obtive, então, com outro profissional, em caráter didático, a montagem de uma planta real de uma instalação elétrica, sobre um painel, com diversos pontos elétricos: dois interruptores e uma tomada; um interruptor e uma tomada; campainha e outros mais. Resultado: SALVADOR deu um baile na instalação elétrica a que lhe indiquei os primeiros passos. E daí por diante, outras tantas! O operário ainda não tem habilitação para dirigir carro, mas o cara simplesmente é uma fera! E dá de dez a zero nos "embola-roda", desses que infestam o nosso trânsito por aí. E faz tudo correto, calmo e exemplar, como é bem do seu feitio. Enfim, um talento-e-tanto que merece e precisa encontrar novos horizontes...
E então, quebrando ao paradigma de que "o homem dos sete instrumentos não toca bem a nenhum dos sete", o nosso personagem é a exceção à regra: de juquireiro a batedor de açaí, pedreiro, carpinteiro, pintor, encanador e, por último, eletricista! SALVADOR DA NALVA, no Povoado Mil e Duzentos, assíduo, honesto, responsável, dedicado e qualidade em tudo o que faz - é o homem dos sete instrumentos e toca bem a todos os sete! É de gente assim que a humanidade precisa.
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Quem desce a Rua Luís Domingues, rumo ao Porto da Balsa, pode ver no meio da ladeira, à direita, uma casa de dois pavimentos. Tem na frente um metro e vinte centímetros de largura; enlarguecida para trás. A casa tem uma dimensão triangular, portanto. A edificação chamou a atenção deste transeunte e eu, voltado para o social, bati à sua porta e fiz mil perguntas à sua dona que vim a saber chamar-se ANA CLEIDE. Pedi para ver. E fiquei impressionado com tudo o que vi: os cômodos, a planta, a divisão, a circulação, o banheiro, quartos, cozinha, área de serviço. O forro em PVC. Ah, o forro! Chamou-se também a atenção além de uma lanchonete bem-montada e organizada com selo de qualidade à frente e uma escada de madeira em reta-ascendente que dá do térreo para o segundo piso. E quis, então, saber sobre o autor daquela obra. Era (é) o companheiro da dona da casa - O LUÍS. Aquela visita rendeu um tema no rádio e no jornal e a visita de curiosos à referida casa.
LUÍS é um jovem rapaz, com ideias maduras e bem sintonizadas na cabeça. Um verdadeiro HOMEM DOS SETE INSTRUMENTOS! Pedreiro, encanador, eletricista. Rádio técnico e, de lambuja, conserta todo e qualquer aparelho eletroeletrônico desses do dia-a-dia. Um homem e logística que busca e encontra soluções nas áreas residencial, mecânica e eletrotécnica. Também me disse que já passou pela arte de alfaiataria! Recentemente, levei um pequeno compressor de ar à assistência técnica autorizada. Mau atendimento, no ora-e-veja lembrei-me do LUÍS. Ele bem que poderia quebrar esse galho. Não deu outra! LUÍS, que mal tinha apenas visto aquilo - em quebra-cabeça, consertou a geringonça que ficou muito-muito melhor que o original. Acredite!
LUÍS todas as noites, com assiduidade, responsabilidade, dedicação e afinidade, frequenta o curso EJA, em nível de SEGUNDO GRAU. E, pelo visto, tem horizontes novos e voos de brigadeiro pela frente. Uma ideia que venho martelando sobre o SALVADOR. E ambos verdadeiros homens dos sete instrumentos! Espécimes raras, de que a humanidade precisa.
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* Viegas é advogado e questiona o social -
E-mail: viegas.adv@ig.com.br
Edição Nº 14812
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