Lembra-se você daquele texto que aqui retratei, semana passada, em face de uma cadela que se postava deitada na escadaria de acesso daquela repartição? Lembra? Ela mesma, no cio e ao lado o seu companheiro, um cachorro vadio? Lembra? E ambos compunham aquele retrato nada compatível ao recinto, mas empurrados que foram pelo abandono e pela indigência a que se veem submetidos. Lembra? Diz o texto entre outras coisas o seguinte:
"ELA está inerte, imóvel, com um olhar apagado. Como se olhasse e não visse; Indiferente a tudo e a todos que passam ao seu lado, traduzindo a nítida impressão de que ali está arrasada, estropiada, desmoralizada, indigente, aos frangalhos em corpo de alma. Outras de passagem, tão fêmeas quanto ELA, em salto alto no "toc-toc-toc", como fazem madames insensíveis ao destrambelho que provocam com o seu salto-alto, passam de nariz empinado, como se nada veem. Sim, porque a vida tem dessas coisas. Enquanto isso, ELE ali ao lado, em frente, só um degrau mais embaixo, deitado ao chão, outro indigente - é o cúmplice e vilão daquela arrasada e desmoralizada, cujo olhar apagado e a certeza de que se faz retalhada em dores é como se sinta, ali, a mais infeliz das criaturas. Foi o quanto me permiti imaginar". Lembra?
Pois é. Início da semana seguinte, volto à "dita cuja" repartição e logo dou de cara com a cachorra deitada, relaxada, estatelada, no terceiro degrau de acesso, justo bem do lado donde passam plebeus rumo ao muro da lamentação, empalitozados e engravatados e madames insensíveis em "toc-toc-toc", com seus sapatos em salto alto e pontiagudos. E a cachorra ali, bem no meio, deitadona, estarrada, indiferente a tudo e a todos, mas agora nem tanto a revelar as dores e sangrias do seu corpo e da sua alma mas... como se estivesse no lazer, no descanso e no bem-bom - agora em tempos dourados da sua vida. E ainda assim, na dela, como quem bate o pé: "daqui não saio, daqui ninguém me tira". Vi aquilo, mas não pensei numa segunda edição de "UM DIA DE ROTINA".
Adentro a repartição e logo encontro-me com um graduado daquele órgão, com quem por vezes teço amenidades e a ele e refiro-me à cachorra à frente de sua repartição e o tema com que a retratei: NUM DIA DE ROTINA. Foi quando então passei a ouvir a seguinte confissão: disse-me que a cadela deitada ao chão, ali na entrada daquela majestosa repartição, estaria causando um certo "desconforto", senão "incômodo", a quantos ali tinham acesso. Foi como me permiti entender. Aí para sanar a situação, num final de semana, ele-gestor, pegou o animal, pô-la em seu carro e fora deixá-la em milhas distantes, como num lugar perdido - certo de que tanto ele como os guardas-da-coroa e os demais ungidos pelas benesses do fardão de majestade que é o emprego público, estariam livres daquela cachorra indigente e no cio.
Entretanto, disse ele, três dias depois quem ali aparece apojada justo no mesmo lugar? ELA... a cachorra indigente e no cio. Agora, separada do seu cachorro vadio !!! AÍ, disse ele, entre interrogação e exclamação: "Eu??!! Eu não tenho mais coragem de fazer o que fiz". E deixou no ar sentimentos da espiritualidade e solidariedade - desses que tantas vezes a vida nos impõe como o corte da navalha na carne. Saí dali, passo pela cachorra deitada ao chão e me pergunto sobre como posso levar-lhe a minha solidariedade em forma de água e comida. E, só agora, ao final deste texto, vejo que ainda terei pela frente mais "UM DIA DE ROTINA".
O SORRISO DO CANDIDATO
(texto publicado no Programa Arimatéia Júnior - NATIVA/FM)
Eis que se vê agora por aí, aos magotes, aquele sorriso nos retratos dos candidatos. Aquele sorriso preparado, fabricado e engarrafado. Apenas e tão somente para exibir simpatia e popularidade. Um produto pronto ou supostamente pronto para o consumo do eleitor. Uma falsa simpatia; uma falsa popularidade. São aqueles sorrisos só para tirar o retrato: "olha o passarinho!!!". E aí o candidato solta aquele sorriso fabricado, sem graça - muitos só para mostrar os dentes. Me engana que eu gosto! Afinal é com banana e bolo e um sorrisinho forçado que se enganam os tolos
- Produtos mal-feitos entre nós, frutos de um uma indústria ou artesanato de má qualidade, costuma-se dizer que é coisa de FUNDO DE QUINTAL. Pronto. Taí!!! Olha o passarinho!!! E sai aquele retrato com aquele sorriso fabricado engarrado, arranjado - COISA DE FUNDO DE QUINTAL.
- Sabemos nós que essas coisas do tipo fabricados em FUNDO DE QUINTAL não têm vida, não têm consistência e muito menos credibilidade. Mal servem para "quebrar o galho". Ou, quando muito, só para "atravessar uma chuva". Assim... são os retratos dos candidatos - sorrisos escafaçados, enganadores, aproveitadores - só para quebrar o galho e atravessar a chuva que é o período eleitoreiro. Olha o passarinho!!! E sai aquele retrato que a gente costuma ver por aí. Retratos que enfim aparecem nos jornais, na TV, nos santinhos, nos cartazes e por onde tiver eleitor neste mundo de meu Deus.
Políticos da velha guarda como Ulisses Guimarães, Adhemar de Baros, Jânio Quadros, Getúlio Vargas, Petrônio Portela, Mário Covas - não eram de aparecer sorrindo nos seus retratos. Ressalva, porém, ao meu amigo Juscelino Kubitscheck que exibia um sorriso leve, franco, simpático, verdadeiro como a sua pessoa e a sua personalidade...
Mas... inventaram essa moda, acham que o sorriso no retrato dá votos e ajuda a encher o bucho e o ego e daí os retratos com sorrisos fabricados, engarrafados, "só para quebrar o galho", atravessar a chuva eleitoreira e trabalhar a farsa, a ilusão, o engano do eleitor. OLHA O PASSARINHO!!!
* Viegas é advogado e questiona o social. Email: viegas.adv@ig.com.br
Edição Nº 14518
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