Acabo de chegar do meu chão-natal, 15ª viagem em pouco mais de dois anos, onde ali construo o MEMORIAL DE ANTONIO DE INEZ - uma jornada em que pretendo edificar a memória do meu velho pai - coautor desta sua cria e criação. Até uma "praça" dentro do mato tem lá. E com um detalhe, a "praça" tem plenas características da minha assinatura (rubrica), esta que guarda os contornos de um barco à vela, ou como me refiro: "...a bandeira de um barco".
Sempre eu estou naquele "praíso florestal", feito do berço que me viu nascer, é como se eu desligasse todos os fios e censores do meu mundo real. E, quando retorno às tarefas do quotidiano é como se precisasse me "reconfigurar", num processo de "formatação". E ainda evasivo nesse processo de "reconfiguração", e "para não perder o emprego", transcrevo aqui textos que enviei par o PROGRAMA CLUBE DA SAUDADE - manhãs de domingo, Mirante/AM - São Luís-MA, na crônica PÁGINA DE SAUDADE (sempre às oito da manhã).
CINE EDEN
O pensamento da gente é algo por vezes como um cavalo bravo. Incontrolável... sem fronteiras, sem medidas, sem barreiras. Dispara na imensidão do tempo, corre, voa - é ação do pensamento. Voa o céu, a terra e o mar. Tudo nas linhas do imaginário, da imaginação. Assim é o pensamento - esse dom da criação.
Hoje eu amanheci lembrando, pensando no CINE EDEM, ali na Osvaldo Cruz, bem ao lado de onde passava o bonde, naquele chão de paralelepípedos - no coração da Ilha de São Luís!!! Cine Eden das minhas lembranças - de um tempo de estudante. Era naquele tempo, além de um cinema, um status, um estilo, coisa chique e algo mais. Quantas vezes, no calor das emoções, sentimentos e tentações - cheiro e gosto de amor no ar - era lá... lá que a gente queria se encontrar. E se encontrava. E encontrava-se para se amar e se entregar. E se entregava e se amava...
- Velhos tempos aqueles tempos. Do romântico, do romantismo; de um amor contido, geralmente proibido. Gestos medidos. Assédio consentido. E a juventude se encontrava no CINE EDEN, para viver e reviver o amor que nos avassalava, que mexia com a gente, que nos dominava. E que a gente livremente se entregava. Velhos tempos, belos dias. Lembrança dos triviais, do Cine Eden - de um tempo que não volta mais.
No EDEM até parece que havia uma energia telúrica, metafísica, algo fora do normal. Não por nada, mas pelo belo e aconchegante e suave e saudável das linhas góticas e coloniais que haviam por lá. Enfim... uma tela para assistir e o devaneio para amar e sonhar. E lá dentro, "no escurinho do cinema"? Aí... então era qual a imaginação: qual um cavalo bravo, que não respeitava nem fronteiras, nem barreiras e voava na imensidão do céu... da terra... e do mar... como numa cavalgada... sem cessar...
E olhando esses triviais de um tempo que não volta mais, de um CINE ÉDEM que nem existe mais, sem culpa e sem maldade, é como a gente revê esta PÁGINA DE SAUDADE...
DRIBLANDO O BONDE
Hoje me deu uma vontade danada de driblar o bonde. E pensei: os outros driblam e por que eu também não posso driblar? E num rompante de moleque, nem me toquei para o lado errado que isso é. Mas que viajar de graça e ainda por cima derramando algumas adrenalinas, faz parte da vida, né??? O calor da mocidade, o sabor da juventude nos leva a isso. E então vamos nessa porque hoje me deu uma vontade danada e eu vou driblar o bonde!!!
Olha que fazia tempo eu tinha chegado do interior e nunca pensei nisso. Via os outros fazendo isso e não achava certo. Mas hoje me deu vontade de driblar o bonde! Aquela tentação de driblar o bonde! E queles bondes abertos em que a gente se apinhava e se pendurava no estribo, esses então até parece que foram feitos para o drible!!!
Pude ver que as pessoas saltavam do bonde em movimento com uma singularidade invejável. Saltavam, punham-se de pé. Seguiam caminhando. Legal, né??? E eu ali, olhava aquilo mas ainda guardando a inocência de um garoto do interior, nem me despertava tamanha perversidade, tão grave perdição! Mas hoje - te juro - me deu vontade de driblar o bonde!!!
Aí peguei umas dicas. Ensinaram-se que ao saltar eu deveria jogar o peso do corpo para trás (para fazer o contra-ponto) com a velocidade do bonde. Era como se ao saltar, estabelecesse um equilíbrio entre a velocidade e o peso. E comecei saltando, quando o bonde ainda ia devagar. Em saltos inocentes. Era o treinamento... Agora eu queria driblar o bonde era pra valer. E hoje me deu uma vontade danada de driblar o bonde!!!
E lá se vamos nós. Estamos naquela ladeira, antes do 24º BC, chegando no João Paulo. O bonde ia "tubado", na maior velocidade!!! Eu sem uma banda bolso quando lá vem o cobrador, tilintando dinheiro e querendo receber. E o bonde na ladeira e na velocidade... foi quando despenquei sobre o chão. E por muitos anos guardei à altura do cotovelo a marca do preço e da tentação... de driblar o bonde. - Aprendi então que "o mundo judia mas também ensina", e eu faço dessa lembrança, esta PÁGINA DE SAUDADE.
*******************************
Este tema eu mando para o Dr. Sergio Godinho, diretor deste Jornal O Progresso, certo de que ele viveu o CINE EDEN e, se não driblou nem caiu, foi passageiro desse mesmo bonde.
" Viegas é o olhar do pássaro sobre o galho e questiona o social. Email: viegas.adv@ig.com.br
Comentários