Ainda era manhã daquele feriado em meio de semana. A nossa eclética, promíscua e "cartão-postal" Beira Rio ainda respirava o lusco-fusco da manhã, debaixo de uma névoa que se espraiava sobre o nosso majestoso e queridíssimo rio Tocantins dando uma sensação do encontro da madrugada com o amanhecer do dia - numa presença viva do natural que se misturava com a artificial  ao redor.
E mais adiante, aquela restança de zoeira da noite anterior, em meio a trôpegos e notívagos que se esbaldam e vadiam em inverno e verão, ocupados e preocupados que a cerveja e outras bebilanças, assim como esse mundão que não se acabem não. E toca som de carro e toca gente bêbada - homens e mulheres no fandando e na fornicação, na folia e no desbunde, tresnoitados da vadiagem ao rasgado e desvirtuado livre arbítrio. Eles mesmos que explodem os próprios ouvidos e de outros tantos da mesma laia por ali, para em seguida ao volante de seus carros e saírem por aí, livres e intocáveis, para seguir como numa terra sem lei.
Naquele "box" construído com o dinheiro do eleitor, ele mesmo o pagador dos impostos que se prestam a tantas mazelas, ali estão mulheres e homens igualmente tresnoitados, ao desvario. Mulheres que rebolam, insinuam-se, gesticulam com a genitália e entregam-se à vulgaridade publicamente. E homens igualmente estropiados que, pela provocação e meneios da mulherada, gritam desvairados, ensandecidos naquele gueto que lembra Sodoma, lesbos e outras perversidades a céu aberto. A democracia também tem dessas coisas e esse é o estorvo do social.
Lá adiante na pista de caminhada, tem uma dupla de supostos héteros. Entupiram-se de tudo a tudo na noite e acabaram ressonando e rocando dentro de um caco de carro, com cara de "pescoço quebrado", desse que a financeira ou primatas-adquirentes que se danem futebol clube. E tudo aquilo ali numa péssima amostra ao mundo da civilidade. Mas como alguém que enxerga isso não é nem pode nem deve ser palmatória do mundo, então... que se dane o mundo e seu Raimundo, como diria aquele candidato espoca-urna. E olha que nessa beira-rio tem coisa!!! E não é à toa que cascas de camisinhas e outros coliformes são encontradas por aí... sem mais nem menos, como numa terra de ninguém.
Segue o novoeiro sobre o leito do rio e ao seu redor; segue a pândega e os primeiros viandantes que, como eu e meu amigo Rubinho, já estão na caminhada. E lá vem um mentiroso contando fofoca, falando nas alturas, mamando nas tetas (...) e sentindo-se o dona da situação. Lá adiante - para não descer a um milhão de tantos outros detalhes, lá vem um buchão também falando nas alturas, contando vantagens e, nesse grande cenário, mais um que vive à sombra e ao petisco do erário. Ele está cabisbaixo, olhar distante sentado num banco de cimento, parece que confessa e expia sua culpa. Denota um gesto que sugere interrogações, incerteza, reticências. Preocupação. Mas o hilário está por vir.
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Estamos agora nas imediações da "praça de alimentação", naquele segmento com dois boxes, construídos com os impostos do eleitor. E se do lado de fora sugerem o pão bolorento, imagine-se a higiene, o sanitário, que tem lá dentro! Nas beiradas pelo lado de fora, é um mau cheiro terrível! Um odor dos infernos! Gente de rua, esmoléus que usam a multidão noturna da Beira-Rio que se agasalham e dormem por ali; outros tantos que se acoitam por ali. São o amargo e doído dos fracassos do social - os filhos abandonados e esquecidos e relegados pelo Estado. E logo ao lado uma esticada banca, dessas que vendem guloseimas na noite. Um retrato surdo que grita um vexame mudo, no raio-soçaite da Beira-Rio.
É exatamente nessa cotovia que está um grupelho de molecotes, mal-saído dos seus pentelhos - treze, catorze, não mais que quinze anos e que lembra a cachorrada no cio, todos tresnoitados, desbundados, com cara de subnutridos e famintos, amanhecidos ao pretexto do feriado. Um molecote esfrega-se disfarçado e proposital com sua "namorada" e dá a impressão de que fizeram ou fazem sexo ali mesmo sem se importar com os viandantes. Dois outros - um casal, igualmente de magricelas - fazem lembrar aquela cadela que não aceita o pretendente - ela com a cara para um lado ele com a cara para o outro lado, como se tivessem brigado na noite, mas ficam por ali bicudos. Ele rejeitado, ela amuada, ambos brigados. E até parecem que esperam infinitamente por aquele casal que está se dando bem. Em meios a essa trupe que lembra a cachorrada no cio, um quinto sujeito, um tipo forasteiro mas tudo da mesma laia, em pé, descolado mas corujando e igualmente desocupado, em meio aos desocupados.
E aqueles dois - mesmo diante dos olhares de outros tantos no cio, até parece que não estão nem aí: coro apanhando e matraca rolando e os dois ali se esfregando, se espremendo, se entregando e desbundando abertamente como se estivessem no quintal de suas casas. E nem aí para papai e mamãe quiçá em casa preocupados com os seus festeiros, suas crias mal-saídas dos seus cueiros. Mas se esses protagonistas não têm e nunca tiverem vergonha de suas sandices, os filhos de boa fé, certamente, terão vergonha por eles. E assim vai-se fazendo mais uma manhã de feriado nesse um pouco de tudo que faz a nossa Beira Rio.

* Viegas é um contumaz e inveterado questionador do social