Toquei um sítio durante 19 anos. Fiz tudo a que tinha direito. Casa-sede, dependências de caseiro, cozinhas, banheiros, gramado, passarelas, estacionamento, cerca elétrica, gerador de energia, poço semiartesiano, rede de água e tudo o mais. Mais de quatrocentas árvores frutíferas em trinta espécies diferentes. Algumas poucas alegrias e outros tantos aborrecimentos nesse meio de caminho. E quando chegava naquele calhambeque, já saía com facão na cintura, enxada ao ombro, chapéu na cabeça, rumo ao eito roceiro. Nos finais de semana e feriados e lá se ia eu com a mulher e auxiliares e voltava de coração apertado no domingo à tarde. Quando terminei de fazer o sítio, perdi a graça, não tinha mais o que fazer. Não suportava deitar na rede e ficar sem fazer nada. Simplesmente abandonei-o para depois vendê-lo a preço de banana. Bananas a que tanto vi espalhada ao chão e perderem-se ali.
No sítio, porém, com os animais que haviam por lá aprendi memoráveis lições. Afora o suor e o entretenimento, as lições que tive com os animais foi o meu grande capital que durante muio tempo colhi e ainda colho dividendos, já que, como na lição do meu velho pai, "... é vivendo e aprendendo".
Do PERU "companheiro", guardo uma lembrança impagável. Todas as vezes que eu chegava ao portão, a uma distância de 100 metros, o peru punha-se em festa com o seu glu-glu-glu. Sentia e gostava do calor de sua recepção. E então eu ia com uma sacola de milho e verduras que o entregava farto, bem como assim para os demais. Em seguida, executava assovios propositais que ele respondia com o seu gulu-gulu. Era a festa! O reencontro! A nossa comunicação! Um dia entreguei-lhe de mão beijada uma companheira para aplacar a sua carência, mas um "servo-mau" cuidou de destruí-la. Ficou ele viúvo, fiquei eu decepcionado e ofendido, mas ainda assim vivemos dias felizes.
Tinha uma cadelinha, cara de enjeitada que chegou pelas mãos de um mentiroso que morava por lá. Ele brigava e maltratava o animal e eu tomava o partido da cadela. Acabei tornando-me dela o seu provedor em troca de um gato. Eu e a cachorra tornamo-nos bons amigos, pois sempre que eu ia por lá levava-lhe leite, biscoito e rações diversas que eu lhe entregava pessoal e dedicadamente. Certa feita, quando eu conversava com um colaborador, a cachorra punha-se trêmula a grunhir à minha frente, mas eu não percebi nem entendi. A esse tempo nem éramos tão bons amigos. Foi quando o colaborador chamou-me a atenção para a inquietude do animal com relação a mim. Bati-lhe o dedo num sinal de atenção e a cadela saltou ao meu colo e ficamos amigos para sempre. Até que um dia... desapareceu. Saí à procura e, nos desvarios da caça, gritei a esmo pelo seu nome, mas foi em vão. E ficou comigo, num vídeo imaginário, todas as suas ações.
E aquela dos gatos? Era manhã de domingo ainda cedo e eu ali, na cabana que ficava aos fundos. Logo ali a caixa d'água a quatro metros de altura e uma escada de acesso recostada. Foi quando dois gatos apareceram e tão envolvidos com a sua intimidade nem se deram conta de mim. E eu filmando... O mais velho ia subindo a escada, o mais novo subiu um pouco, mas tinha medo. O mais velho subia e chamava o mais novo que tinha dificuldades. O mais velho descia e ensinava o outro a subir. O mais novo foi ganhando confiança. E eu filmando... de degrau em degrau com o mais velho subindo e ensinando o mais novo que acabou chegando lá. E eu que não gosto de gatos, retirei a escada só para ver o resultado. O gato grande com duas varadas pulou embaixo e o mais novo lá em cima, lamentando e pedindo pinico. A escada estava longe, e agora José? Agora que o jeito foi debaixo de varas pular lá embaixo. E aprendeu a pular (rsrsrsrsrs).
A velha gata que levei para lá, pensando que ela enfrentaria ratos intrusos, era uma tremenda vadia, mas ainda assim me deu belas lições. Numa das vezes eu ali sentado, ela vinha, executava um miado tristonho e choroso e voltava. Ela olhava para trás, via que eu estava no mesmo lugar e voltava, miava choroso e triste e saía na mesma direção. Acabei por entender que ela estava me chamando, então resolvi segui-la. Ela caminhava na frente e olha para trás para ver se eu a seguia. E quando enfim confirmou, caminhou confiante e afinal pulou dentro de uma caixa e agasalhou-se quieta, em silêncio, com um olhar sofrido. Ela queria mostrar-me onde iria parir os seus filhos ao final daquele dia. E quando os seus filhos cresceram, ela os protegia debaixo de um garrancho de madeira. E quando a molecada aventurava-se a sair por ali, a gata-mãe impunha-lhes bolachadas e doídos petelecos que os moleques gritavam e voltavam correndo para debaixo de sua fortaleza.
E as galinhas-de-guiné? Essas eram uma espécie de trombadões, terror do galinheiro. Só respeitavam o peru e o galo, porém os demais apanhavam, eram escorraçados e agredidos na hora das refeições. Era uma encrenca o tempo inteiro, na hora da boia. Essa atitude hostil e egoísta das guinés, obrigou-me a uma reação. E então eu as afugentava na hora da ração. E isso acabou virando uma briga, uma desamizade entre a gente.
Também aprendi com as saúvas e com as formigas. Observava que as saúvas viviam carregando alimentos para a sua grande morada a vida inteira. Vivíamos às turras - eu querendo destruí-las e elas multiplicando-se cada vez mais. As formigas-de-fogo, um exemplo de guerreiras! Ciosas da sua luta, do seu empenho aguerrido, da sua vigília e, sobretudo, da disciplina, organização e solidariedade. Moravam numa colônia no térreo, mas lá em cima, na entrada, ficavam algumas dezenas na portaria, na vigília. Era só mexer e as vigilantes avançavam. Em seguida, vinha um exército atacando em várias direções, pronto para uma guerra. Ensinaram-me a pôr água e sabão em pó no combate às formigas. Elas de fato morriam. Arrastavam-se de sua colônia lá embaixo e vinham morrer cá em cima sobre a terra, unidas, solidárias, juntas no mesmo lugar, quer dizer na mesma cova!
E os marimbondos-surrão? Tenha dó Benedito! São um tema para duas edições. E as árvores? Cortava, podava, reduzia-as, mas em silêncio elas respondiam. Saravam suas feridas, regeneravam-se e davam uma resposta de VIDA. Era a resposta da natureza!
* Viegas questiona o social
Edição Nº 14661
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