O professor AG era, ao seu tempo, indo e voltando, a maior autoridade em DESENHO TÉCNICO, sua cátedra e especialidade. De longe, INCOMPARÁVEL! Imagine-se um quadro com cinco metros de comprimento por um metro e meio de meio de largura, e aquela fera enchia aquilo tudo em desenho técnico com linhas cheias e pontilhadas, vista frontal, vista lateral, perspectiva cavaleira, eixo cartesiano - sombras e tudo o mais. Dava um banho e dava um baile. E ai de quem, em sua aula, ao menos arrastasse o sapato!
AG, na moral, "tirava sarro" com um e outro, puxava lero, contava piadas saboras e dizia "jacaré te nhanha". Era uma senha que, mesmo na brincadeira, era pra valer. AG tinha fama de reprovar por um décimo de ponto. Vangloriava-se disso. O aluno ficava pendurado o ano inteiro na sua matéria; mudava de escola, desertava. E ele lá, volta e meia, na prosa, no sadismo e na boa, só advertindo: "jacaré te nhanha".
AG, bom de prosa e bem humorado, contava nas intercaladas das aulas as experiências em suas provas; a guerrilha que havia na hora da "cola" e o combate ferrenho que enfrentava dando zero ao candidato por qualquer trastejo; qualquer tentativa de cola. Narrava em detalhes a destruição que praticava; o cheiro que dizia sentir no ar e os "zeros" das reprovações. E a turma suava frio e tremia na base. E ninguém ousava nem olhar para o lado, nem arrastar o pé ao chão e a qualquer deslize nas provas da fera, como sempre, o desfecho era fatal. Um verdadeiro campo de guerra com as vítimas entregues ao horror, ao holocausto. E o professor AG reinava impávido, intocável - respeitado e temido na presença e na ausência.
Naquele universo daquela Escola, todo o mundo (todo o mundo) tinha lá o seu apelido. Não havia uma viva alma que escapasse aos codinomes. Professores, diretores, alunos, funcionários. Apelido fazia parte da cultura daquela gente. O Professor, AG como sempre, estava invicto. Certo dia, na turma, AG de pura gandaia, resolveu provocar. Contou que, quando estudante, de férias em sua terra-natal, resolveu tirar uma de bonito e vestiu o fardão (a farda) da sua escola. Algo parecido, digamos, com uma farda-militar, como aliás, era dos colégios públicos daquele seu tempo. Moleque, vestido naquela túnica, deu uma volta pelas ruas e quando voltou para casa trazia consigo um apelido: FELIPE VIRA BUCHO. Referência a um personagem local, um descamisado das ruas que vestia semelhante fardão e daí o apelido - FELIPE VIRA BUCHO.
Eu, na turma e na minha, um nati-morto fracasso em desenho técnico e já com o sangue na veia de um futuro "questionador do social", logo imaginei: "esse daqui por diante será o nosso eterno FELIPE VIRA BUCHO". E o mestre desatava-se naqueles desenhos complicados e, no desafio, repetia desenhando e emoldurando o seu próprio personagem que inspirou o povo ao apelido que levara lá pelo mercado - FELIPE VIRA BUCHO. Aí eu fiquei na minha, só para ver no que dava, para ver a "curriola" arregaçar com o "Felipe Vira Bucho" e, finalmente, onde iria parar aquele apelido que seria impingido àquele monstro em desenho técnico, reprovador e intocável que matava e queimava. Um destruidor Gengis Khan.
E quem foi que disse que um único cristão, uma única viva alma sequer teve a coragem, a ousadia de pelo menos pronunciar aquele apelido ainda que longe do mestre em milhares de anos luz? Quem disse? Quem disse? Ninguém, absolutamente ninguém! E assim o mestre AG reinou sozinho impávido, altaneiro, independente, intocável a vida inteira...
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Embora aquela Escola tenha sido para mim uma mais-que-generosa mãe e madrinha, uma gratidão que até hoje reverencio, um tributo para o resto da vida eu, porém, não tive pendores para o "curso técnico", tanto que vivia pendurado em desenho técnico e em matemática, matérias de peso e até hoje não sei fazer um linha reta com o auxílio de uma régua, ainda que digam que "a linha reta é a menor distância entre dois pontos" (risos).
Nessa sina, vivia de "segunda época", dependente de uma prova de repescagem. E, por vezes passava de ano, devendo a matéria do ano anterior. Um sofrimento! Uma tortura! E a desmoralização?! Quando concluí a 4ª série ginasial, fiquei pendente um ano inteiro tão só em desenho técnico com o Professor AG. Tinha que tirar NOVE (redondamente nove), sem faltar um décimo sequer, para poder passar de ano. AG era um carrasco em pessoa. Um matador. Um Gengis Kan. E em toda a minha vida nunca tinha conseguido tirar sequer um sete em desenho. Como obter nota NOVE, aquela altura? Nem em sonho! Cursava naquela turma (a que fiquei pendente) um amigo e "irmão de criação", o DJP, respeitado como "BURRÃO", porque numa eventual briga, era um destruidor do adversário. Embora pacato, mas não leva desaforo pra casa. Então todos o respeitavam e, no conjunto, tinham-lhe estima. Sabe aquele herói em que ninguém mexe? Pois é...
BURRÃO, meu irmão de criação, falou com o JBT, seu colega, um craque em desenho técnico, um DNA puro de AGS, para que fizesse a minha prova. Olha o desespero e o risco! Sentamo-nos ao lado e, num piscar de olhos, trocamos os papéis, eu "fazendo a prova dele", ele fazendo a minha. Imaginem o borrão, o estrago! Quando o professor AG anunciou NOTA OITO para mim, saí desesperado. Estava reprovado! Burrão então foi fazer um lobby único em toda a história e vida do professor AG. E explicou-lhe que eu precisava de NOVE. A essa altura eu, no desespero, estava a dois quilômetros dali, sozinho e chorando pela rua. Reprovado! E com a minha vida (como sempre), nas mãos de Deus.
Quando dei por mim, Burrão chega correndo: volta, que o professor AG resolveu reconsiderar tua nota e te deu NOVE. Coração disparou e o berreiro aumentou. Voltei e o mestre AG fez um discurso de elogio e "reconhecimento" pela minha brilhante prova. Aquilo tudo foi um sonho e um pesadelo do qual só muito tempo depois consegui acordar.
* Viegas é CIDADÃO DE IPERATRIZ. E questiona o social: E-mail: viegas.adv@ig.com.br
Edição Nº 14892
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