(no intervalo das aulas)

Ainda me lembro, esta estudante. Estava pela terceira ou quarta série ginasial, 15 aos de idade. Sabe aquela patota de uns quatro ou cinco que ficavam jogando conversa fora, no pátio, nos intervalos das aulas? Pois é, numa dessas "patotas", eu estava lá. Ali tinha um cara e disse que na Holanda neguinho fumava maconha no meio da rua, no meio da praça. Disse que a civilização por lá era tão avançada que maconha era permitida em plena praça pública. Fiquei horrorizado com aquilo, achava assim um tanto demais para a minha cabeça. Não queria acreditar. Mas como não conhecia nem a Holanda nem a sua realidade, nem a sua "cultura", fiquei na minha. Mas fiquei com aquilo martelando negativo na cabeça.
Aí veio outro da "patota" e emendou. Na Holanda? Na Holanda é tão avançado que neguinho faz sexo no meio da rua, na maior, na boa.  Estudantes, então, deitam e rolam! Eu que já vinha escandalizado com esse negócio de maconha no meio da praça pública, fiquei com um zumbido louco no ouvido com esse negócio de fazer sexo assim... na beira do passeio público, na maior libertinagem. Era como se me falassem de um retrocesso no processo de civilidade e da civilização; justo ali, quando diziam que a HOLANDA é(ra) um país de "primeiro mundo", etc e tal. Até me recusava a acreditar, mas a "patota" estava dizendo então.... fiquei na minha...
Desfez-se a patota e o mundo deu voltas e só mais tarde deixei aquele meu sonho e realidade de escola prateada justo ali dentro  de onde eu morava e fui tocar a vida lá fora. Quer dizer, aqui fora. Mas sempre de olho e de lembranças na conversa daquela patota sobre a libertinagem de como era tratado o uso da maconha e a prática do sexo - "descriminalizado" e em praça pública. E só mais tarde vi um tema na imprensa sobre o assunto.
Recentemente o hábito de praticar "caminhadas" ao amanhecer do dia tem me levado obrigatório nas andanças pela nossa beira-rio, esse "cartão postal" explorado pelos bugigangueiros da comilança,  da vendilhança, da festança, e da bebilança e de tantas panças. E  pude ver e posso ver que na beira-rio "postal", está a HOLANDA do meu tempo ginasial; do converseiro daquela patota no pátio, no intervalo das aulas. Lá eu vejo a maconha solta; o crack rolando as pedras; a gente vê o sexo entre o enrustido e às claras dos notívagos e tresnoitados, naquelas beiradas à sombra daquelas mangueiras. E tudo na maior cara limpa de gente sem sentimento nem com a eira, nem com a beira.
Aí eu fico vendo que a HOLANDA daquele meu tempo ginasial de outrora entre nós se faz agora. E ninguém diz nada; ninguém proíbe nada; ninguém se toca em nada. E tudo está valendo tudo. E então a Holanda veio para cá ou isto aqui foi para a HOLANDA. Pena que a patota do intervalo se desfez. E nem sei por onde andam aqueles de cujos rostos e dos quais nem me lembro mais.
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OLHA A SITUAÇÃO!!!
Fim de tarde, começo de noite e, assim do nada, e eu estava com uma "distensão muscular" à altura da virilha, o que me obrigava a passos lentos, contidos e manco. À procura de um crédito-celular, fui bater num nesses bares da beira-centro, cheio de gente pela calçada, outros enfurnados lá dentro. Olha a situação! Entrei legal ainda em manga-comprida e gravata, passos lentos, manco, à procura do tal crédito-celular. Olha a situação!
Foi quando, de repente, esbarra comigo frente-a-frente um sujeito, altão, fortão, trinta e poucos anos, um tipo que não sei de onde saiu nem para onde vai, boné que encobria o rosto, bafo e vozerio de quem já tinha tomado uma dúzia de 600 ml. Olha a situação! Aí o sujeito, frente a frente e cara-a-cara comigo, distância de dez centímetros, como quem me cerca. E derrete-se em elogios à minha pessoa. Diz que eu sou um cara que a cidade merece; diz que o meu trabalho é digno disso e daquilo. E enche a bola. E vai desfilando suas firulas e serpentinas em "elogios" e blá-blá-blá.
E eu ali estático... pê da vida... surdo e mudo e ainda por cima naquela de "distensão muscular", mal podia andar. E eu me perguntava: Meu Deus, o que eu vim fazer aqui? Era como se de repente eu me sentisse num pesadelo. Zuadão de bebedeira cá dentro e lá fora. E eu amuado, retrancado, cercado e sem dizer palavra. E o grandalhão lá, derretendo-se em firulas a meu respeito, quase colado. E cara de mau. Olha a situação! Foi tudo rápido. Aí, pra encerrar com chave de ouro, o cara, como que sentindo-se o dono do pedaço e coroando tudo ali, soltou um verbo : "me dá um abraço". E me abraçou como se sentisse homenageado ou me homenageando com aquele gesto. Tive uma ideia horripilante daquele sujeito e de tudo aquilo ali. E, embora tenha, não digo mais...
Saí dali pê da vida.. mal podia andar. E me prometi que nunca mais voltaria àquele lugar nem para mais nada nem para comprar crédito-celular. Olha a situação!
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* Viegas questiona o social