Mestre WADY SAUAIA foi um dos maiores luminares da ciência jurídica do Maranhão em todos os tempos. Dono de uma mente privilegiadíssima, o jovem Wadi interrompeu a escolaridade ainda cedo e só já rapaz voltou à escola. Em princípio, viveu as sendas do jornalismo e depois tornou-se bacharel em direito e daí por diante, de longe, um dos maiores pilares do direito civil e processual civil em todos os tempos que o Maranhão já conheceu. Advogado das grandes nomeadas.
Mestre Sauáia, simplicidade em pessoa, calmo, discretíssimo, pacato ainda que na exterioridade, sabia tudo do direito e muito mais. Recitava todos os códigos de cor e salteado da primeira à última pergunta que se lhe fizessem. Leu todos os autores brasileiros, dissertava-os na pura cachola; dava aulas sem usar um único livro ou uma única anotação e, às sextas, fazia a "aula da sabedoria"; a quem poderiam perguntar tudo o quanto quisessem dos mais variados ramos do direito. Recitava textos de obra dos autores e mandava abrir o livro nas páginas tais e quais. E de tudo enfim simplesmente tirava de letra na maior singularidade, como se estivesse lendo uma cartilha do bê-a-bá no quintal de sua casa. Era assim o mestre WADY SAUAIA.
Essa águia, de lambuja, costumava publicar uns artigos deliciosíssimos na imprensa de São Luís nos quais, por vezes, eu pegava carona ora na leitura ora sorvendo o seu estilo, sua verve gostosa, suave e envolvente que se me impunha, grudado à leitura até o fim. Era assim o carcamano e mestre Wady Sauáia, dono de uma das maiores fortunas de terra e gado e propriedades urbanas do Maranhão; senhor da gramática e da literatura brasileiras e da intelectualidade de todos os gêneros por onde passou.
No seu livro CENAS QUE FICAM, o mestre reproduz contos e crônicas deliciosíssimas que publicou na imprensa, narrando fatos, nomes, lugares e detalhes antológicos ora de sua vida no campo, ora de suas atividades advocatícias, ora como mestre marítimo que foi da lancha AFIF e até mesmo do conúbio entre seu pai e sua mãe; do infortúnio da prisão havida com o seu pai e do que mais vivera e assistira e participara na vida. CENAS QUE FICAM é um tesouro, o qual já li duas vezes, a caminho da terceira. E cada página é um reencontro maravilhoso e transcendental com o mestre WADY SAUAIA - ele que tanto canta e decanta o seu Colégio CISNE do imortal Arimatéia Cisne.
À falta de outro título, pespegado que estou pela "ideia fixa" no título que ora assino, peço vênia à memória do velho mestre para a míngua de originalidade, mas sem o intuito de plágio, dar a este tema o nome que vem do mestre: "CENAS QUE FICAM".
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Era Natal. "Lá em casa" estava cheio de gente. Parentes, cunhados, sobrinhos - grande parte vinda de outras bandas e daí as providências para os comes e bebes e tudo o mais. Era noite quando fui bater no FRIGOBAR, uma cantina de muitas iguarias e diversas bebidas que por aqui tivemos e que ficava ali na Rua Alagoas - entre Getúlio e Dorgival. Mais do que uma loja, era um lugar em que a gente contava com a simpatia e hospitalidade dos seus donos, sempre presentes. Era como se estivéssemos à sombra do quintal da nossa casa.
A loja estava, naquele horário, bem movimentada. As pessoas se cruzavam, cumprimentavam-se em apertos de mão, tapinha nas costas; enfim, aquele clima de Natal. Pelo meio, transeuntes, duas figuras tão comuns quanto as demais. Ambos afro-descendentes, assim como eu. Um deles dono de um bigode tipo D. Pedro I e ambos sorriso no rosto, cheio de simpatia e de amor pra dar naquele clima natalino. Deixa que, a uma prateleira, lá pelo meio da loja, existia uma ancoreta (barril), cheinha de pinga-da-boa para a venda em retalho (litros), através de uma torneira nela adaptada.
Aí, os afro-descendentes, misturados e fingidos pelo meio da clientela, flanando pra lá e pra cá, iam ao barril, furtivamente... tome uma... tome outras e tome todas! E, naquelas alturas, "prá lá de bagdá". E, quando menos se espera, pracaticumbum-balacobaco-bahahahaha. Era os caras tropicando por sobre o barril de pinga; derrubando garrafas das prateleiras e cheios do mel na cachola. Olha o drama!!! A dona do recinto, vendo aquilo, foi lá, discretamente, fechou a torneira e a cara. Em sorrisos contidos, deu o dito por não dito e fez de conta que nada aconteceu. E eu, um fotógrafo em lentes do intelecto e questionador do social, observando a CENA que guardei-a na mente. Ficou a CENA, como diria o mestre.
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Semana passada, fui convidado pela SÔNIA DO ARMANDO para servir de "dublê de Djei" numa festa estilo e decoração anos 60, na casa do nosso amigo SHYCO DA YOLANDA. Na véspera, a casa ficou às traças, por conta dos organizadores e colaboradores do evento. E lá vou eu com radiolas, dezenas de discos, caixas de som, mesa e tudo o mais, pensando que "ia abafar" com o meu toca-disco anos 60. Que lá nada!!! Não tive vez. Mas, ainda assim, como consolação, dei um "palinha", foi como me apresentaram.
- Aconteceu, porém, que na véspera, enquanto a turma estava arrumando o salão, fazendo a decoração e eu ali... metido pelo meio, sem o que fazer, olha o que vejo na cozinha: um geladeirão!!! Fui lá e o que vejo?! Sobras de carne assada (churrasco). Só o mel!! E aí, sozinho e furtivo, comi quieto, como "burro do sertão". Tudo enrustido, sozinho, até encher a pança. Aí lembrei-me daqueles afro-descendentes lá do barril de pinga do FRIGOBAR, uma CENA que minha mente registrou e nunca deletou. E vejo que tanto lá no barril de pinga como cá na geladeira e carne assada na casa do SHYCO DA YOLANDA, são, como no título do mestre Sauáia - "CENAS QUE FICAM".
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Viegas é advogado e questiona o social - Email: viegas.adv@ig.com.br
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