Senhor Editor: Cumprimento-o com as minhas cordiais saudações, oportunidade em que reitero o meu apreço e satisfação pelo restabelecimento de tua saúde e faço votos de que sigamos em saúde, vida longa e paz no coração nesta caminhada sobre a face do chão: você no teu ministério jornalístico e eu nestes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.
Pelo fato de que em duas recentes e alternadas edições, tenho faltado aos meus compromissos nestes CAMINHOS junto a esse jornal, em ato de justificação, pretendia abrir esta edição com o título "NÃO APRENDI A FALTAR". Todavia, mudando o rótulo do título, mas com a mesma ideia e o mesmo objetivo, dirijo-me a você com esta CARTA ABERTA.
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Eu que venho das têmperas de casa alheia, ainda criança, sete anos de idade, logo cedo, aprendi o meu lugar. Aprendi noções do compromisso, da assiduidade, da fidelidade, da responsabilidade, da honestidade. Era um tempo em que para comprar dois quilos de carne no mercado tinha que levantar às cinco, caminhar na distância, pegar uma fila e gritar incessante ao açougueiro. Depois voltar depressa com a carne pendurada e arrastando sobre a perna e, por vezes, sem tempo de tomar banho, chegar à escola no horário regular. Tenho honra e gratidão por essa oportunidade. Foi aí o começo de... "NÃO APRENDI A FALTAR". E a inspiração que faz desta coluna os... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.
Terminei o "Curso Primário" de cinco anos nessa hoje gratíssima maratona e o meu pai, uma penca de filhos, basicamente só com "o dia e a noite e o caminho para andar", mandou-me para cursar na capital. Imagine o sufoco! Numa pobre casa nos arrabaldes da ilha, Rua da Vala, beira-dentro de um terreiro de pesada e baixa prostituição, violência e droga e pedofilia rondando, ao montes e, na casa dezessete, dezoito, vinte pessoas. E o anfitrião vigia do cemitério à noite e carroceiro ao dia. Foi lá onde dei continuidade ao princípio do compromisso, da fidelidade, da assiduidade. Do "NÃO APRENDI A FALTAR".
Era o tempo do EXAME DE ADMISSÃO AO GINÁSIO. Escola Técnica Federal do Maranhão. 510 candidatos para 60 vagas. Números que guardo até hoje! Garoto pobre, roupas batidas e "desquaradas", quilômetros a pé, era apenas mais um desacreditado na multidão. No final eu estava entre os 60. Depois com muita-muita-muita-luta, consegui uma vaga no internato. "Era DEUS na minha vida, escrevendo certo por linhas tortas". Uma afirmação a que sempre fiz! Não é de agora!
No internato, tive uma mudança plena de vida. Café, almoço, merenda, jantar, roupa lavada e engomada, escolaridade, oficinas, teatro, cinema, esporte em todas as modalidades, formação pessoal moral e cívica, por vezes um uniforme, um sapato - tudo do bom e do melhor e até uma praia e uma festa de vez em quando! Tudo por contra do contribuinte! Lá foi mais que uma escola. Foi um templo sagrado e consagrado em formação de vidas. Um exército e celeiro de valores. Um grito de vitórias! Foi minha casa, foi minha vida! Foi o sangue que corre na veia; foi meu coração que ficou lá dentro! Velhos tempos! Belos dias! Foi lá em que dei continuidade à rotina de que "NÃO APRENDI A FALTAR".
Lembrar aquela minha amantíssima Escola Técnica Federal, onde fiquei por oito anos e dela tornei-me seu servidor - é voltar a ser criança, é rever o tão sonhado e primeiro emprego, o chão da minha estrada; é resgatar a trajetória de um tempo; é conversar com Deus e dizer: OBRIGADO SENHOR, POR MAIS UM DIA! É rever uma passagem de compromisso, assiduidade, pontualidade, fidelidade - em que "NÃO APRENDI A FALTAR".
Depois que saí do internato da Escola técnica, fiquei perdido no tempo e ao vento. Foi terrível! "Era Deus na minha vida, escrevendo certo por linhas tortas". Mais tarde, consegui uma vaga na Casa do Estudante Secundarista do Maranhão, no centro, na Rua do Passeio. Uma oportunidade de vida de que tenho eterna gratidão. Lá fiquei por quatro anos. Lá, com toda liberalidade: sair, chegar, voltar, não voltar, dei continuidade aos meus princípios: recolhia-me cedo da noite, salvo uma ou outra balada em fim de semana, porque ninguém é de ferro! Então, "NÃO APRENDI A FALTAR". Até que um dia (até que um dia), terminado o meu tempo de "secundário", minha mala foi colocada no corredor, do lado de fora. Não podia mais morar lá. Faltou-me terra ao chão. Também vi minha vida e minhas lágrimas num seio de deserto e escuridão. Uma dor que enfim... sarou. Sim, porque o tempo é um divisor de águas...
Fiquei um ano fazendo o cursinho pré-vestibular. Uma trajetória de que guardo marcas deliciosas. Vitória, pós-vitória! Saía do cursinho às dez da noite e ia estudar com um amigo em sua casa. Um cara filho-de-papai, manso, tranquilo, admirado e querido por tudo e por todos, pelo seu caráter e valores de cidadão. Um ser humano fora de série. Foi ele quem me convidou. Estômago pregado em muitas-e-muitas vezes. Mas eu não abria o bico. E ficávamos os dois, nesse empenho até às duas, três da manhã. Depois eu caminhava a pé, pelas ruas estreitas, desertas e frias daquela minha São Luís, pela qual eu morria de paixão. E, nessa lida: compromisso, fidelidade, assiduidade - "NÃO APRENDI A FALTAR".
Pouco depois eu estava na CASA DO ESTUDANE UNIVERSITÁRIO, na Rua de São Pantaleão, na boa, na melhor, no centro da cidade. Feliz da vida! Era Deus na minha vida "escrevendo certo por linhas tortas". Ali então era de uma liberalidade ímpar. Ninguém tomava ou dava satisfação a ninguém. Tudo livre, mas ninguém abusava. E eu, vindo de velhas têmperas ao calor do ferro e fogo, por vezes só na farinha e onde inventei fritar um ovo na água, dei continuidade ao princípio de que "NÃO APRENDI A FALTAR".
No final de 1966, exatos 21 anos, por concurso público ingressei na Fundação SESP, no cargo de escrevente-datilógrafo. Era o tempo da Revolução de 64. Chumbo grosso rolava no ar. Escreveu não leu, pau comeu! E a FSESP, com seus carros; "Serviço Federal - Uso Exclusivo em Serviço", era uma linha dura total. E ai de quem! Lá, com rigoroso relógio-de-ponto; controle, disciplina e compromisso em altos decibéis. Tudo vigiado! Foi lá em que dei continuidade ao segmento de que "NÃO APRENDI A FALTAR".
Ainda no trabalho, já cursava DIREITO à noite. A esse tempo eu comia no restaurante universitário, na Praça Gonçalves Dias, um recanto, distante, ao centro da cidade. Tinha então duas opções: ou ia para o jantar (no restaurante, na Gonçalves Dias), ou ia para a Faculdade (na Praça João Lisboa). Se fosse para o jantar, chegava atrasado, a pé e suado. Preferia perder o jantar para estar presente na primeira aula das 07 horas. Tudo isso, SENHOR EDITOR, porque... "NÃO ARENDI A FALTAR".
E então, Senhor Editor (Coló Filho), durante uma vida inteira (uma vida inteira) essa virtude me persegue. Aliás, perseguimo-nos reciprocamente. Acredite!!! Atenciosamente,
*Viegas é advogado e questiona o social. E-maill: viegas.adv@ig.com.br
Edição Nº 14730
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