Lembra-se você de uma luta chamada CANA-DE-BRAÇO? A cana-de-braço era uma luta simples de gente simples. Gente de periferia, estudantes, estivadores, recrutas, braçais, desocupados - muitas que aconteciam sobre as mesas dos bares da vida ou sobre carteiras das salas de aula. Por vezes consistia numa aposta até. Pequeno valor. Por vezes simples exibição ou disputa dos contedores e, em volta, os olheiros na torcida, no palpite e na "zueira". A cana-de-braço não tinha segredo: perseverança, resistência e... força mesmo! Cruzados os braços com os cotovelos sobre a mesa, perdia a disputa e a aposta aquele cujo braço caísse vencido à mesa, sob o braço do adversário.
A CANA-DE-BRAÇO perdeu-se no tempo mas, ainda assim, ganhou um fôlego de expressão. E serve em nossos dias para designar uma luta, uma disputa, um combate. Soa como uma contenda equilibrada, proporcional. Saudável até. Enfim: uma CANA-DE-BRAÇO!
De reminiscências essas, estou agora assistindo a distância - e põe distância nisso - a uma CANA-DE-BRAÇO. Entre o Governo da Senhora Dilma Rousseff e toda a falange da medicina brasileira. Dava-me, em princípio, a ideia de uma briga de "cachorros grandes", como se diz aos embates entre grandes, pesos-pesados. E eu que em princípio torço pelo mais fraco ou por quem se faz em desvantagem, não quero nem saber onde a corda vai quebrar. E, de cara, TORÇO PELO GOVERNO. Aliás que, a este ponto, já vejo o braço que vai-se quedando, entregando-se vencido. E eu na torcida!
E a distância - e põe distância nisso - fico como os "olheiros" daquela disputa do muque, sobre a mesa do bar. O Governo alegando precisar implementar o seu quadro médico, atender vacância, à pobreza e ao deserto, resolveu importar uma "bagatela" de quatro mil médicos cubanos para dar suporte ao carente quadro nacional. E fazer, enfim, a "cubanização médica" no Brasil para atender aos rincões pequenos e distantes e desertos e abandonados em que os nossos patrícios torcem o nariz ou fogem deles.
De sua vez, as falanges de branco alegam que o problema não está nos profissionais, mas na estrutura. E soltam um refrão que é uma tese: não faltam médicos. O que falta é leitos, é esparadrapo, é mertiolate, é gaze, é mercúrio cromo. E seguem na tese: importar médicos é como importar cozinheiros para onde não tem feijão, nem carne, nem tempero. E eu aqui, vou emendando: onde falta fogão, farinha, colher, cebola, tomate e pimenta do reino. E até mesmo um corantezinho de urucum. E segue a cana-de-braço. E eu, a distância - e põe distância nisso - não estou nem aí para saber onde a pata põe. E nessa cana-de-braço, eu torço mesmo é pelo GOVERNO.
Aqui, em texto livre e livre conceito - sem dados oficiais - remeto-me aos "anos de 64". A Revolução estava no ar e, ao seu Comando, o Governo Militar. A esse tempo, lembre-se, a medicina era circunspecta, fechada, retrancada como sempre. Mas foi o Governo Militar que abriu essa caixa preta e tornou o atendimento médico perante a previdência social, digamos, mais acessível ao povo, mais popular, portanto. E assim o SUS que temos hoje com acesso, ainda que precário aos mortais e aos joão-ninguém da vida, é uma decorrência, oriunda de um suspiro que emergiu com o Governo Militar.
Apesar dos avanços, a medicina brasileira vive na retranca fechando espaços e zelando o seu próprio espaço. Enquanto Faculdades de Direitos e outras tantas fabricam-se, quer dizer, multiplicam-se no país e cursos da área são promovidos "à distância" e daqui a pouco, sabe-se lá, até por telefone e pelos correios, enquanto isso, Faculdades de Medicina no Brasil são contadas a dedo. Por quê? Porque há uma cultura, um contexto e uma casta de retranca para que não nasçam, nem floresçam nem prosperem cursos da área muito menos com a mesma volatilidade como se procriam em meio a compadres, faculdades e cursos de outras áreas.
Em sendo assim o "status" da medicina está como sempre esteve: nas alturas. Não é, por exemplo, como a área de direito que já esteve lá em cima e hoje está dando "no meio da canela", com uma dúzia de advogados em cada esquina. Ou como dizem por aí: "está batendo chavelho" e muitos vendendo-se a preço vil. E é nessa que a medicina não embarca. Pelo contrário: assiste ao vendaval de camarote. Retranca-se, encastela-se e vende-se mais caro. E isso é lei e mercado - lei da oferta e da procura.
Enquanto isso, o que a imprensa tem mostrado, além de outras amostras, é que médicos com três empregos, quatro empregos vão lá, batem o ponto, caem fora e recebem no fim do mês. São exceções? É uma vergonha? Que digam os professores, por exemplo, filhos desse mesmo "sistema" que só podem ter dois empregos, além do que têm que cumprir a carga horária - o exercício efetivo do seu magistério. E o salário, oh!
Outra coisa: nessa CANA-DE-BRAÇO, a turma de branco igualmente contesta a "cubanização médica" sob alegação de que eles não estão habilitados, não têm formação acadêmica compatível para o exercício da profissão em terras de Cabral. E para azedar as receitas, uns quinhentos e tantos já tiraram o braço da seringa: parte maior que desistiu e outros tantos que não compareceram; enfim que não honraram o pacto. E o Governo arrombando a caixa preta, está dando uma "adequação" de três meses aos estrangeiros, um paliativo e tanto, como aliás "paliativo" é termo da linguagem do ramo. E, falando sério, entrego o meu prontuário a um cubano, faço consulta, autorizo a cirurgia e nem peço troco. E ainda digo "muito obrigado". Pois que, como na canção: "quem não bebe morre, quem bebe morre também".
E daqui a pouco neguinho vem do Paraguai, da Bolívia, do Azerbajão, da China ou do Afeganistão e faz por aqui uma adequação de três meses e pronto! Pode exercer a medicina. Pronto! Está quebrada essa CAIXA PRETA que enevoa e favorece aos tupiniquins e estropia e derrota os estrangeiros e os cursos feitos por lá. E de caixa preta em caixa preta e nessa CANA-DE-BRAÇO eu torço pelo Governo. Afinal... "quem bebe morre, quem não bebe morre também".
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* Viegas é advogado e questiona o social
- email: viegas.adv@ig.com.br
Edição Nº 14806
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