...ERA FRANÇA APRENDENDO A FAZER COFO!
França era o filho último do velho Norato Barros. Norato era morador do povoado Laranjal e dono de parte das terras que herdou do seu pai Fabinho de Barros. Norato e seu irmão DOCA BARROS eram titulares de uma fala de forte sotaque afetado; sotaque que até hoje os netos e outros parentes arremedam, caçoam, tal o sotaque carregado de Norato e seu irmão Doca. Não eram de festa, nem de pinga, nem de jogo, nem de dança. Eram amigos e unidos e roceiros de sol a sol. Doca era mais tranquilo, mais calmo, ao passo que Norato era um tipo arreliado, zangado, ou como se dizia por ali: “esquentado”.
Cedo, velho Norato ficou viúvo, restando, porém, seus filhos com mediana idade, ao que, sem muita demora e aos poucos, cada qual procurou o seu canto, a sua vida, restando o velho Norato como “gato na tapera”, em companhia de França, o seu caçula. Norato olhava para o tempo, olhava para todos os lados, olhava ao seu redor e não encontrava uma mulher à altura de suas pretensões, até que... até que... foi bater num povoado não muito distante conhecido por “Bacurizeiro”.
Lá morava DONA MARGARIDA, uma viúva decente, de bons modos, comportada, que Nonato Barros levou para sua companheira. Dona MARGARIDA, por sua vez, com a morte de uma filha, levou para a nova morada no Laranjal, em sua companhia, a jovem neta PIPI. De modo que a nova entidade familiar passou a ser composta de quatro cristãos: Norato e o filho França; D. Margarida e a neta PIPI. O convívio era pacífico, manso, tranquilo. Respeitoso. Debaixo de ordem do velho Norato.
E assim viveram por um longo tempo até que... até que... chegou por ali, no início dos anos 1960, o FUNRURAL e com este as aposentadorias de trabalhadores rurais, que em princípio era de meio salário mínimo. Lembra-se você do FUNRURAL? Mais do que um peito, um cofre aberto para a mamata dos ungidos do sistema! Pois bem, com a chegada do FUNRURAL, logo Norato aposentou-se mas Dona Margarida, não. Na época a regra não permitia que o casal de roceiros lograsse a aposentadoria, mas apenas um deles.
Aí, Dona Margarida queimou ruim! Não se conformava, queria porque queria aposentar-se. O casal de vida pacata até então, passou às divergências. E daí em diante nada mais deu certo entre os dois. Ora veja! Norato aposentado e Dona Margarida de mão abanando e a ver navios?! Aí Dona Margarida não perdeu tempo: Botou a trouxa na cabeça e, como se dizia na época: “pernas pra que eu te quero”, de volta ao Bacurizeiro. Pronto! Acabou-se o segundo “casamento” de Norato Barros.
Ocorreu, porém, que, já naquele tempo, FRANÇA, cabelo de espeta-goiaba e um pisca-pisca de nascença, estava de olho em PIPI, no que certamente, a moça também correspondia. A vida me ensina que por vezes procuramos a felicidade no meio do mundo e a felicidade está na beira de casa. França tinha razão. Casou-se com PIPI no padre e no civil, criaram os filhos e hoje tocam a vida, na mansa e na boa, cada qual com o seu “aposento”, com os filhos morando em volta, no mesmo lugar.
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Na vida entre pai e filho, restou histórico, Norato ensinando a França seu filho a fazer COFO. Cofo, você sabe, é um artefato artesanal feito a partir de palhas “enxumbradas” (ensombradas) de babaçu – que ficam por dois dias abertas, ao sol. Aquela palha última, amarela, conhecida como “palha mansa”. COFO que destinava-se (e ainda destina-se) ao acondicionamento e transporte da safra e objetos do sertanejo.
E então, nas manhãs, velho Norato sentava-se lado a lado, com o filho França, cada qual coma sua palha devidamente preparada ao artesanato. O cofo obedece a um tecido que aqui comparamos a uma “esteira”. Começa o velho Norato a sua esteira, impondo que o filho, ao lado, execute igual procedimento. França até dava os primeiros passos no “tecido”, mas em seguida errava, perdia-se. Aí o velho Norato caía de cocorotes no seu pequeno, que não podia chorar. Velho Norato arreliava-se, zangava-se e recomeçava a lição. Ora, debaixo de cascudos, cocorotes e tortura quem é que tem concentração para aprender?! Aí velho Norato partia pra cima, gritava, zangava, metia bronca e tome cocorotes... ensinando ao filho a fazer COFO. E França “engolia o choro calado”, como assim era da obrigação naquela criação.
Eu era uma criança, deveria ter cinco, seis anos e passava ali perto daquele aprendizado e tantas vezes, nas manhãs, rumo à escola da cartilha, do bê-a-bá e da tabuada e via e ouvia o suplício de França, aprendendo a fazer COFO, aos gritos e cocorotes do seu velho e arreliado pai. E, por conta disso, evitava encostar à casa do velho Norato para tomar-lhe a bênção, como assim era a obrigação dos mais jovens em relação aos mais velhos. E ai de quem!
Hoje, sessenta e tantos anos depois, eu levo uma prosa com o casal - FRANÇA E PIPI. Lembro as “aulas de cofo”, do pai ao filho e, no imaginário, comento e invento as aventuras amorosas de França de olho na PIPI, sua “irmã de criação”, que Dona Margarida deixou quando voltou para o Bacurizeiro. E pergunto: “E aí, tio França, já aprendeu a fazer cofo?”. No que ele me responde monossilábico: JÁ!
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