O JUSTICEIRO

Rua São Domingos, setor antigo do “Café Marivete”, no cruzamento com a Rua Tereza Cristina. Meio de semana. Duas da tarde. Sol incandescente. Estou chegando para o segundo expediente, tentando estacionar. Logo vejo e ouço um burburinho, uma zoada. E lá se vão dois sujeitos que me pareceram parceiros entre si  – um à frente e outros atrás. Era um falatório, um zum-zum-zum, algo como uma reclamação. Tive a impressão de que os “parceiros” estavam insatisfeitos,  com alguém, por alguma coisa. Continuo tentando estacionar.

Um deles leva à mão um porrete, tipo um pedaço de caibro. Lá adiante eles que seguiam na rota da beira rio, param quase no meio da rua. Vejo então que o  que seguia com o porrete na mão falava alto, subjugava o rapaz que ia à frente de mãos vazias. Só então pude entender que o homem de porrete na mão estava a  sugigar o outro; queria que este voltasse sob a ordem de “devolve o celular da mulher”. Falava alto, a todos pulmões. O outro, enquanto isso, falava brando, mordendo as palavras e negava o furto. “Vambora moleque, volta e devolve o celular da mulher”.

Pouco depois os dois voltam. O mais jovem à frente dominado, no grito, pelo homem com o porrete na mão. “Volta e devolve o celular da mulher”. “Não fui eu, foi aqueles caras que estavam lá”. “Não interessa! Volta e devolve o celular da mulher. E vambora. E não corre. Segue na minha frente e não corre, porque se tu correr, é pior pra ti. E tua sobra fica aí, espalhada no asfalto. E fica sabendo que eu não tenho medo nem de ti nem da turma da beira do rio. E vambora! Volta e devolve o celular da mulher”.

Só então pude me dar conta de que ali, o ameaçador, homem de posse do porrete, estava a dominar aquele outro, ao qual impunha a acusação de ter “roubado o celular da mulher”. Tive ainda a impressão de que ambos frequentam o mesmo grupo de cachaça e de vadiagens diárias. Depois, refletindo sobre aquilo, vi que perdi a oportunidade de conversar com aquele homem ameaçador daquele outro. Pareceu-me um sujeito de coragem, destemido, desafiador e... justiceiro.

É certo de outro lado que quando ocorrem situações de furto em lugares de múltiplos desocupados, ninguém aponta ninguém, ninguém não sabe de nada; ninguém quer se envolver. E acaba ficando o dito pelo não dito, porque afinal de e contas “ o mal feito não tem dono”.

Vinte e quatro horas depois, caiu a ficha. Achei que perdi e gostaria de recuperar a oportunidade de conversar com aquele homem corajoso e determinado. Trazê-lo para o meu time e ver em que “posição” ele poderia servir. Afinal de contas, naquele trecho da encrenca, ai de quem deixasse um toca fita e até hoje de quem se afastar de sua bicicleta! Ou quem ao menos piscar um olho! Ai de quem!!!

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Falando nisso e a propósito deste, lembrei-me que faz meio século, li uma literatura sobre Virgulino Lampião, um personagem pelo qual sempre me interessei, motivado pelas lendas e bravatas e outras tantas verdades que dele contavam, na minha meninice. Conta a lenda que Lampião, andando com o seu bando, numa estradinha do sertão de Sergipe, encontrou-se com um desafeto. Aí o tempo fechou! Foi um tiroteio dos diabos! O desafeto passou-se para dentro de uma tapera (casa abandonada) e, sozinho, enfrentou a tiros o bando de Lampião, ali composto de dezoito cangaceiros sanguinários.

A certa altura do combate desproporcional, Lampião gritou e determinou o cessar fogo e  chamou o seu desafeto para o meio do terreiro que, olho no olho,   atendeu-o imediatamente. E disse Lampião: “Você não pode morrer, um homem  como você é para tirar semente. Você não pode morrer”. E prosseguiu: “De hoje em diante você pode dormir no meio do caminho que eu não te incomodo. Se puder dou a volta e vou embora. Se não puder, espero você acordar. O desafeto retrucou em desafio: “Capitão Virgulino, comigo é como você quiser” . E deram as mãos, selando a paz e cada qual saiu para o seu lado.

Ato contínuo, o desafeto, bradou: Capitão, preciso  falar! E, em seguida:  “Capitão Virgulino, você é inimigo de Pedro da Moita, na Serra Talhada e Pedro é meu amigo e se você puxar  as armas para ele estará puxando pra mim” -  no que Lampião retrucou: “Diga a ele que o trato que eu faço você, faço também  com ele”.

E sem mais comentários porque hoje eu vou pela CONTRAMÃO.