A SINA DO OCRIDES
OCRIDES era um cara bacana. Trabalhador. Homem de negócio. Bem de vida. Correto nos tratos, endinheirado, jeitão goiano. Tinha convicção de que era o senhor da verdade. E, como sempre, dono da razão. Ainda novo, trinta e poucos anos, foi motorista das antigas, ônibus interestadual. Lá ele deu um pulo na vida – que um “cabrito” daqui e outro dacolá, isso fazia parte do jogo pra lá e pra cá. E assim foi fazendo seu pé-de-meia, que era como deduziam as más línguas ao redor. E ele nem aí.
Nesse bate e rebate tornou-se empresário urbano. Dono disto, dono daquilo, algo mais e tudo o mais. Tinha um pé no Parazão (como ele mesmo dizia) e outro pras bandas do velho Goiás. Afinal, o cara era “goiano todo”, fazia questão disso e não abria mão. Embora que se tenha mudado pro Pará de mala e cuia, com parentes e aderentes ao redor, nem tanto porque fosse assim tão bom de coração, mas porque deles precisava para pô-los a seu serviço nos mais diversos pontos estratégicos do seu negócio: irmãs cunhados, sobrinhos...
Motorista da velha guarda, não perdeu a pose da mulherada e assim ia passando o rodo por onde ia. Aliás que “passar o rodo” foi uma expressão na televisão, quando uma certa figura, amuada com outra e, querendo enxovalhá-la, disse que sua concorrente “passava o rodo”. Pronto! OCRIDES era assim: mulherengo até o último fio de cabelo e... “tamos conversados”, como diria Araci de Almeida, humilhando e reprovando os calouros a que a ela se submetiam, num programa de TV. Lembra?
Pulando de galho em galho, comendo uma aqui e outra acolá, o garanhão acabou por admitir em seu trabalho uma certa jovem. Esbelta, bonitinha, inteligente e vivaz, a danada! Mas... muito brava. Aliás que a moça teve a quem puxar. Puxou à sua mãe. Sua mãe deixava o marido (pai da moça), “comendo na tauba” (como dizem por aí). E não dava, não dava e não dava nem por reza de cigano só porque por um tantinho assim de nada ficava enfezada com o marido, um caminhoneiro que vivia noite e dia no “batalho” ao volante do caminhão, para sustentar mulher e filhos. O velho motora dava um duro danado no estradão e na hora do “vamos ver” a patroa se enfarruscava toda, se trancava toda, soltava baforadas de línguas de fogo e o velho EME-R. ficava a ver navios, quer dizer: “babau, nos cachimbo de pau”.
Emputecido, o velho EME-R. largava de mão, ficava na saudade e o tempo ia passando. E assim viveram anos e mais anos, dentro de casa, sem o velho motora sequer “encostar” na mulher e, quando encostava, alguma coisa estaria errada, pois a rotina era coices e pontapés e brabeza e cara amarrada noite e dia, inverno e verão. E haja saco do velho EME-R, para aguentar aquela situação! A velha batia o pé: “a casa é minha”. Seu EME-R., coitado, também não tinha pra onde ir e acabava aguentando o tranco aos trancos e barrancos, como ele dizia. Voltemos ao OCRIDES, porque afinal de contas ele é que é o nosso personagem; é dele a sina nestas catilinárias.
Olhando e admirando aquela moça - aquela, esbelta e linheira e bonitinha que trabalhava com os seus papéis; ela mesma filha da mãe que deixava o marido “comendo na tauba” e ele, qual um leão que, sorrateiro, desconfiado e jeitoso tentando passar a unha na “crocodila”, longe de imaginar que ali morava uma bocarra de mil dentes afiados, bem assim foi fazendo o OCRIDES. Bom dia manhoso, boa tarde jeitoso, mas sem perder a moral. Por vezes ficava observando e elogiando a organização da moça; suas habilidades na máquina de datilografia do escritório e até no atendimento ao telefone. E não perdia a oportunidade para elogiar o cafezinho que a elegante e desprendida secretária fazia e servia.
E assim, maneiro, foi ganhando espaço no seu próprio terreiro, vencendo a moça no cansaço e no maior lero-lero da paróquia. E, quando se deram por conta, OCRIDES deitou com a moça. Deitou e mandou ver. Vai daqui, vai dacolá e quando pensaram que não - estavam morando juntos. A moça não era mais uma simples “foncioára” no dizer do patrão. Já era matrona! Deixa, porém, que a moça que puxou à mãe, uma caninana toda (a gente diz caninana, que é pra não dizer cascavel), fazia com o parceiro do jeitinho que a sua mãe fazia com o seu pai, o velho caminhoneiro, Seu EME-R. Mas o OCRIDES era um leão jovem e faminto e não se dava por vencido. E nessa peleja toda dava uma em casa e duas, três na rua. Não vivia assim tão desprezado como o distante e ignorado sogro, seu EME-R., mas por conta disso, em casa era um “zezeu dos diabos”, como ele mesmo dizia. (Zezeu quer dizer: briga, encrenca, confusão, problema).
Opinioso que sabia querer, não se dava por vencido, não se entregava. E quando a patroa vacilava, numa eventual calmaria aqui ou noutra ali, o leão oh! Ripa na chulipa!, Como na música de Genival Lacerda. E assim a bruguelada foi surgindo, quase uma “escadinha”. E lá vai um, lá vai dois, lá vai três, lá vai quatro. E tudo junto e misturado dava um time de vôlei e ainda ficava gente na reserva!
Nesses terríveis altos e baixos, o empresário reclamava barbaridade! Dizia que a mulher era difícil, que não facilitava as coisas, se trancava, brigava, xingava. Era o cão. Aí o cara questionou: Rapaz, tu reclama de tua mulher, não dá uma única palavra a favor, diz que ela não facilita, diz que ela é igual à mãe que deixava o marido comendo na tauba e tu tem aí, nada-nada bem uns sete filhos???!!! Aí o OCRIDES rebate e justifica: É que tu nãos sabes de nada: Era briga por cima de briga, encrenca por cima de encrenca, confusão por cima de confusão, isso até meia noite, duas da manhã. Mas quando o tempo esfriava e a gente se calava e a luz apagava - na escapada, a gente um jeito dava. Era assim e só assim e os moleques foram nascendo e crescendo.
Mas OCRIDES vendo que não dava jeito na situação, no grito e na marra fez um acerto, indenizou a mulher, deu adeus ao “Parazãoí” onde fez fortuna, vendeu tudo o que tinha por lá e voltou, de onde veio de mala e cuia para o seu velho Goiás. Enquanto isso, a ex-mulher que puxou à mãe anda por aí, quer dizer, por lá, brigando com os ventos e com as paredes, porque não tem mais o OCRIDES para brigar.
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