“OLHAR FOTOGRÁFICO”
Tantas vezes andei pelas ruas da vida com um olhar fotográfico. Queria ver alguma coisa, fatos, pessoas. E, no pretexto, fazer um texto. Uns que se faziam, outros que se perdiam. No meu tempo de rádio isso era terrível em mim. Tinha, além da produção regular, que escrever diariamente até três textos: um para a crônica O DRAMA NOSSO DE CADA DIA (cativo); outro para A VIDA COMO ELA É. E outro ou outros que se alternavam. Deixei o rádio, mas a ideia do “olhar fotográfico” permanece em mim.

Tudo começou quando, certo dia, na Rua XV de Novembro, ali nas imediações da esquina de acesso à Beira Rio, caiu uma folha sobre um veio de água que escorria pela margem da calçada. E lá se vai a folha... Lembrei-me ali mesmo que, ainda garoto, vi quando caiu uma folha amarela, ligeiramente em forma de concha, sobre o leito de um riacho que corria célere. Em seguida uma “labigó” correu e pousou sobre folha que lhe serviu de embarcação. E qual aquela outra folha que caiu sobre a água que escorria à margem da calçada, lá se vai o meu pensamento à conjectura de um texto.

A distância entre a folha do riacho e a folha da calçada foi de 600 quilômetros e durou cinquenta anos.  Juntei  as duas na fotografia do olhar e da mente e escrevi um texto: “FOLHAS QUE CAEM”, para o rádio, no quadro “A vida como ela é”. De sorte que, inspirado nas duas – cada qual ao seu tempo, passei a sair por aí com essa  ideia de “olhar fotográfico”, a pretexto de fazer um texto. Mas como tudo na vida é um tempo, esse tempo vai passando...
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Duas da tarde. Tão logo saio do portão dou de cara com um cachorro tentando atravessar a rua. E logo desperta em mim o velho “olhar fotográfico”. Vejo que o animal posta-se a um ângulo de noventa graus em relação à calçada e tenta atravessar a rua. Tal o movimento dos carros, o cachorro mostra-se inseguro, indeciso e recua. Tenta novamente atravessar. Torna tentar e torna voltar.  Volta e permanece na mesma posição de 90 graus, com o olhar livre para os dois lados à frente. Para e espera, mas o trânsito não dá chance. Filmando aquilo tudo com o olhar e com a mente, eu acompanho  a inquietude e calmaria do cachorro.

Daí a pouco percebo que o animal desiste de atravessar a rua, pensei. Ele volta no quarteirão, como se estivesse à procura de lugar melhor para atravessar. Para. Posta-se na posição de um ângulo de noventa graus e quando o trânsito alivia ele, um tanto apressado, atravessa a rua e segue a sua sina que me pareceu ali, semelhante àquelas criaturas de rua, que perambulam por aí sem destino certo, sem perspectiva de vida, sem esperança  de nada.
Era de fatos como esses, ao aleatório do quase nada, que eu escrevia, no rádio... “RETRADOS DA VIDA”.
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Falando nisso, lembro-me que certa feita quando eu transitava pela Avenida Pedro Neiva, ali no setor da Rádio Nativa, vi de relance dois animais parados à faixa do centro e um terceiro estirado ao chão. Dei a  volta. Voltei. Pude ver que ali ocorreu uma acidente de trânsito. Morreu um cavalo, ao passo que mãe e filho estavam ali, parados, ao lado, como que num velório familiar. Segui o meu caminho com a cena na imaginação. Era outubro de 2.013 (faz quatro anos). E então escrevi um tema que agora transcrevo para este texto:

“VELÓRIO E MORTE NO VELÓRIO”

Dia desses, rodando na Pedro Neiva, a própria Avenida sobressaltava-se sobre a minha mente. Mansões... chãos que valem milhões. Ora o risco e a preocupação de bater sobre o canteiro; ora um veículo, inesperado, que me cruza à direita em alta velocidade; ora a pista livre e esticada que enseja  a velocidade; ora de olho naquela “faixa intermediária” ao centro,  acho que destinada a viandantes e o risco que me parece; Ora aqueles acessos em acostamento para manobra, que não raro ocorrem e sugerem acidentes. Ora mal feitos aqui e ali. Enfim, aquilo tudo ali.

Nesse rasante do pensamento, eis que de repente... ali, naquela baixada, pouco adiante da Rádio NATIVA, jazia  um cavalo morto no meio da pista. E, logo ao lado,  um poste igualmente esticado ao chão, como que motivado por uma  pancada seca, certeira, fatal. Aquilo me disparou em adrenalinas e confirmação dessa tétrica e tenebrosa Pedro Neiva de Santana. Ela mesma, cenário de tantos acidentes - como sempre!

Pude observar ainda naquele momento que dois animais, uma égua e um jovem potro, estavam ali, naquela faixa do meio, tão estáticos, quanto aquele morto que jazia ao chão. E tive a impressão de que eram parceiros de um mesmo “grupo familiar”. Companheiros  da indigência e da vida solta – ali sem cabresto e sem dono. E nessa interpretação, vi que mãe e filho ali em pé, quietos, parados, velavam ao seu. E segui dali, refletindo sobre perguntas e respostas amargas e doídas que me sobressaltavam a mente. E segui “escrevendo” e qual uma lente fotográfica, retratando tudo aquilo na mente.

Na volta, sempre com aquela cena no imaginário, ao me aproximar daquele tétrico local, com poste caído e cavalo ao chão, o que vejo?! Vejo para sangrar a minha dor que aquele jovem potro há pouco órfão de pai, agora era mais uma vítima caída ao chão, morto, ao lado de sua mãe. Aquilo me doeu cruamente. E se a vida para nós  os “racionais” é o bem mais precioso e o que dizer dos “irracionais”? Eles também, nascidos e criados com o sangue nas veias e o coração a palpitar. Eles que também sentem a dor, a tristeza o abandono, a  fome, a doença, a miséria.  Eles mesmo que também sentem a morte do seu semelhante. E nesse olhar de tantas fotografias, vi  que ali se fazia um velório e... mais morte no velório”.