“O PAPEL  AGUENTA  TUDO”
A gente ainda era moleque e os mais velhos na revolta e na bronca diziam:  “o papel aguenta tudo”. Eu ouvia aquilo sem entender. Mas o tempo foi passando e o mundo foi girando e um dia eu disse: “o papel aguenta tudo e muito mais”. E então vamos por aqui  rever o papel desse papel:
E enquanto todos os mortais apinhavam-se no corredor, uns sentados e outros de pé, já com o horário marcado, após a marca, aparecia o advogado da parte  contrária. Este, sem dizer palavra, passava por todos, seguia num corredor, passava pela Secretaria e adentrava ao indevassável gabinete do juiz, onde ali permanecia só, sozinho – até quando, enfim, chegava o magistrado e já encontrava aquele ilustre patrono, seu amigo, ali dento, ao seu aguardo.
Algum tempo depois, apregoavam-se as partes e então, os mortais comuns, em fila indiana, adentravam a sala do juiz, ali encontrando já aboletado, solene e dono da situação aquele advogado arrogante e sabichão que antes passara indiferente entre os demais. E então, o desfecho desse litígio já era visivelmente esperado. E, nesse  jogo de cartas marcadas,  a desgraça para uns e  a brisa  sórdida  para outros. 
A vida sobre a face do chão é feita também desses gravetos. Imagina-se que esses desvãos poderão ser pelo resto dos dias terrenos. Mas terá sempre alguém que verá que os protagonistas estavam e estão  passando por cima, massacrando  e pisando o direito alheio.

Decorrido pouco tempo dessa desgraça até parece que uma maldição  se abateu sobre aquilo: Parte maior dos invasores, senão todos ou quase todos de origem, venderam suas invasões por menos de trinta dinheiros; a prestação gratuita de serviço social da entidade vencida na demanda, restou à deriva, aos desvãos;  morreu a líder da invasão, morreu o seu genro  e fiel escudeiro. E o juiz de então que, provocado,  anulou parte de sua decisão, já não é mais juiz, deixando  seus amigos na orfandade. Um dos advogados que queria ser o alcaide da gestão perdeu a competição e o outro foi expulso do armário pela pública opinião.
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Agnaldo Timóteo estava numa noite de fossa e encontrou-se num bar da vida com o seu conviva, o compositor Gonzaguinha. Entre um pileque e outro, Timóteo chorou suas pitangas e, num ato de desabafo, querendo letra, querendo uma  composição,  queixou-se ao compositor sobre o desprezo  de seu namorado que, com toda ingratidão, usufruía das riquezas e do bem bom que lhe patrocinava o cantor-anfitrião. Ao fim da noitada, cada qual foi embora para o seu lado. E só mais tarde  Gonzaguinha compunha uma canção que entregou para Maria Betânia gravar. E quando Timóteo viu a música estourando no ar, sentiu-se traído pelo amigo de mesa de bar e aumentou a sua dor de cotovelo mas resignou-se, ainda que pelas porta dos fundo, em regravar, a contra gosto, o corte sofrido com a navalha na carne: 
“Primeiro você me azucrina / Me entorta a cabeça /  Me bota na boca / Um gosto amargo de fel... / Depois  Vem chorando desculpas /  Assim meio pedindo/  Querendo ganhar  Um bocado de mel... ///  Não vê que então eu me rasgo/ Engasgo, engulo /  Reflito e estendo a mão / E assim nossa vida / É um rio secando / As pedras cortando / E eu vou perguntando:  Até quando?...  ... ...  Veja bem! / Nosso  caso é uma porta entreaberta/ E eu busquei a palavra mais certa / Vê  se entende o meu grito de alerta/ Veja bem / É o amor agitando o meu coração / Há um lado carente dizendo que sim/ E essa vida da gente / Gritando que não...”
Hei papel que aguenta!
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Bento era um senhor de estatura mediana, bem composto, dono de uma voz fanha e entrecortada. Quiçá por isto rejeitado. Era funcionário dos Correios – um emprego que qualquer um gostaria de ter. Solteiro, tinha dinheiro certo e à disposição dos seus devaneios. Bento era homossexual exposto a céu aberto mas vivia na dele, sutil e discreto. Certo dia um rapaz estava sentado ao banco da praça, ali perto dos Correios, quando, de repente, ali aparece – imagina quem? O Bento! Bento, cavalheiro, cortês e cortejando  pede licença e senta-se.
Qual um Timóteo, com aquele Gonzaguinha entre um pileque e outro, agora é Bento que ao banco da praça puxa conversa e desabafa: diz que o seu namorado o despreza, diz que custeia a vida do seu amante, dá-lhe dinheiro, cordão de ouro, roupa  boa e vida boa  e o ingrato  o desdenha, dele se desfaz, abandona-o, lamenta-se. No fundo e no raso era Bento qual um Timóteo, derramando suas mágoas, suas frustrações, querendo ombro e ali... naturalmente... mostrando o seus meios, seu lado financeiro e... obviamente, fazendo a sua caçada.  O rapaz, qual  Gonzaguinha, ouviu atento e foi embora ao fim das lamúrias.  E dias depois escreveu: “O TIRO SAIU PELA CULATRA”.  Hei papel que aguenta!!!
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Ainda bem que, por enquanto, eu estou livre de uma “condução coercitiva”. Uma bênção por extensão,  do tio Gilmar, ex-marido da Guiomar (esta agora, conselheira da Binacional (Brasil e Paraguai) Itaipu.  Uma reunião a cada dois meses e 27 mil por mês).  Tudo na retranca dos quem quer  que seja e para a sombra e gozo  dos corvos da Lava-Jato, mas que pelas vias transversas chega até a mim. E aos mortais comuns. E, sem essa ferramenta de opressão, que se danem os “condoídos”, futebol clube. Hei papel que aguenta tudo!