VELHO ARlSTIDES - o guardião do sítio
(Este é um velho texto “remasterizado”)
Conheci, na infância, em São Luís, um antigo e grande sítio, encravado no João Paulo - um bairro de periferia em meio a residências e ao comércio, dentro da cidade que restou estrategicamente situado, naquele São Luís antigo. Quase uma mata de grandes árvores frutíferas. Os donos? Esses nunca apareciam por lá. Mas no local morava e dele tomava conta o VELHO ARISTIDES - um homem só, sozinho - sem mulher, sem filhos. Quiçá sem outros parentes, até porque destes não se tinha notícia.
O velho sítio era, digamos, um terreno antiga, com muita riqueza - muitos pés de fruta: manga, jaca, goiaba, pitomba, laranja, mamão, banana, abacate, cajá. E aquele santuário, na beira da idade, deixava principalmente a molecada doida, estressada de tanto pensar em arriscar sobre como chegar lá.
De longe e do lado de fora a gente podia ver cada jaca! Tantas mangas de várias espécies madurinhas lá em cima e aqueles cachos moreno-amarelados de pitomba! Parecia coisa do outro planeta aos olhos e na mente da molecada! Uma verdadeira tentação aos olhos da “curriola” que sonhava de olhos abertos com aquele santuário de riqueza de tudo enquanto é fruta – parte das quais se estragavam e se perdiam, cujos donos nem sequer apareciam por lá. E nisso, grandes e pequenos se “encafifavam”. “Poxa, tanta riqueza, tanta fartura, tanto valor e os donos nem ligam pra isso, nem ao menos vêm aí?! Era o quanto diziam todos por ali.
Encarregado de proteger aquele mundão de sítio, cercado de varas e talos (no meio da cidade) e da população - estava o VELHO ARISTIDES: baixa estatura, coxo de uma perna, meio entroncado, fala trêmula, cujo nome soava como um dragão-de-sete-cabeças, feito de pedra, aço e estilhaços. VELHO ARISTIDES não desafiava ninguém. Dentro do sítio estava sempre trabalhando, zelando, vigiando. Comum era vê-lo sem camisa, um surrado chapéu à cabeça e facão na cintura. E, da sabença popular, tinha por perto sempre uma espingarda de calibre-22 com munição à disposição.
A molecada queria ao menos sonhar o dia em que VELHO ARISTIDES sairia, ao menos para beber água, mas o VELHO SENTINELA não arredava o pé nem para cuspir, nem para piscar. Era um verdadeiro radar que estava ligado 24 horas por dia, cuidando da sua obrigação - vigiando e zelando do sítio alheio, cujos donos, pelo visto, nem ligavam para aquilo, ao passo que o velho caseiro, cuidada daquilo como se fora o sangue de suas veias.
A molecada jogava pedra, tentava varar a cerca, perturbava, perseguia, mas se borrava de medo de VELHO ARISTIDES, aquele dragão vigilante que não arredava o pé, sempre de facão na cintura. E aí já viu: se ao menos sacudisse uma folha, por qualquer zoada VELHO ARlSTIDES chegava junto, no ato, na hora, sem chance para o invasor. No fundo, por conta dessa intransigência e dos sabores que ali se perdiam, ninguém gostava do VELHO ARISTIDES porque ele era fiel, era a ponta de faca e a espada e cumpria o seu dever.
Vender as frutas? Uma ou outra quantidade. Seu Aristides escolhia este ou aquele feirante a ponta de dedo e olhe lá! O resto se perdia, apodrecia. Certo dia, um moleque tentou varar, levou pedrada e o sangue da cabeça jorrou na hora. VELHO ARISTIDES foi preso, foi zombado pela população e depois voltou ao seu lugar de guardião daquele santuário de tantas riquezas, quase abandonadas.
- Mais tarde, quando velho Aristides morreu, no barraco - na choupana tosca, escura, fria e insalubre onde morava dentro do sítio, além de roupas velhas e outros poucos pertences sem valor, foi encontrado muito dinheiro mofado, debaixo do velho colchão de ácaros e percevejos. Enquanto isso, VELHO ARISTIDES viveu miseravelmente na pobreza e no trabalho por si só escravizado. E assim foi a vida, a saga e a sina do VELHO ARISTIDES. Hoje o local abriga bancos, estabelecimentos particulares e órgãos públicos e outros de imponente arquitetura. E ninguém sequer lembra mais do VELHO ARISTIDES, aquela velha e desprezível figura.
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