ASSIM COMO SÃO AS PESSOAS SÃO AS CRIATURAS
Aquela chácara que ficava à beira da cidade precisou de chacareiro e pôs um anúncio no rádio. Em meio a diversos candidatos, estava o SEU BERNAL. Aliás que o nome do homem era BERNARDO, mas a língua do povo só dava pra chegar até “BERNAL”. E assim ficou: BERNAL pra cá, Bernal pra lá.
BERNAL era um homem de boa idade. Carregado de rugas, trabalhador desses que sofre e morre, mas não se entrega. Um tipo faz-tudo, bom de pinga que distorcia os fatos à sua conveniência e mentiroso todo até o último fio cabelo. BERNAL, contudo, não enjeitava serviço, trabalhava de sol a sol, sem camisa, embora lhe fosse dadas roupas à sua disposição, o que ele sempre recusava. E dizia tê-las com sobra. Como, aliás, dizia ter tudo de sobra. E, como calçado possuía uma única “lambreta” e só mais tarde outra “lambreta” quando a primeira finalmente acabou.
Era domingo, algo como nove da manhã, BERNAL estava em pleno eito, sem camisa debaixo do sol, molhando o jovem pomar em dezenas de jovens pés de fruta. O feijão já estava ao fogo. Sugeriu-se ao BERNAL que, em dia de domingo, fosse descansar, cuidar do seu almoço e armar uma rede, tudo por conta do “governo”. BERNAL não deu ouvidos continuou no eito, e, quando foi ver o feijão havia queimado, torrado. Houve um lamento solidário, mas o dono do serviço foi tachado de “abusado” e “miserável”, pois estava “fazendo questão” daquele feijão, patrocinado pelo empregador. Bernal era assim: um mal-agradecido.
BERNAL costumava dizer que em tempos idos trabalhou na “PETROBRÁS”. Era panificador. Dirigia o carro do serviço. Ganhava bem. Ficou no emprego por quase dez anos, de onde saiu por espontânea vontade. Em conversa com seus filhos e ex-mulher, nunca ninguém jamais teve notícia de que BERNAL tivera tal emprego e muito menos um dia dirigiu qualquer tipo de veículo. Também proclamava-se um bom cozinheiro, tanto que numa fazenda em que trabalhara, a patroa deixava a sua mesa e ia comer a “boia” que ele aprontava.
Vivia BERNAL dentro de uma “bata” ou “jaleco” sofrido e surrado, motivo pelo qual ele recusava qualquer roupa que se lhe fosse ofertada. Dizia com todas as letras que aquele vestuário ele ganhara de presente de uma suposta namorada, uma estudante que morava no aristocrático bairro Três Poderes. Dizia que tinha o consentimento do pai da moça, nunca se referia à mãe desta e que, por vezes, dormia até mesmo na casa da namorada. Outra vez, chegou a dizer que disparou tiros de revólver em malfeitores que aproximavam-se de sua chácara de serviço. Nadinha!
Quando BERNAL foi trabalhar naquela chácara, levara consigo uma pequena sacola contendo os seus minguados pertences e deixara na casa em que morava na “Vila Zenira”, um velho e estropiado colchão; deixando também debaixo do esqueleto de uma velha cama, um velho monitor de estado mais que duvidoso que ele houvera adquirido quiçá abandonado em algum lugar. Mais tarde, quando voltara à casa não mais encontrou o tal monitor e lamentava-se que lhe houveram roubado um computador, via do qual pretendia gravar CDs para vendê-los ao retalhos como faziam por aí.
Incrível, mas era constantemente o chacareiro viver dizendo que “perdeu o dinheiro”. E isso era uma mais que rotina na vida do BERNAL. Bernal vivia só, não tinha mulher, e de tempo em tempo dois de seus filhos o visitavam. Toda sua despesa alimentícia era bancada pela chácara. Ganhava livre mas todo o dinheiro que recebia era apenas e tão somente para suas cachaças e mais nada, salvo um único par de” lambretas” que um dia apareceu por lá. E não mais.
Na chácara BERNAL morava só, não tinha energia elétrica mas ele tirava de letra sem jamais se incomodar por isso. Era de perceber que ele se sentia perfeitamente adaptado ao local, tal a vida que levava. Para aplacar o silêncio e a solidão, de quem morava sozinho, BERNAL herdou da chácara, um rádio-gravador, bonito, grande, “made in Paraguay”, desses que acende dezenas de “leds” multicores. Era uma forma de levar um gesto de entretenimento àquele homem sozinho, para ouvir programas de rádio/AM, principalmente nos fins de tarde e à noite. O homem vivia satisfeito com o mimo e usava-o regularmente.
Certo final de semana, chega ao sítio uma jovem, colega de trabalho dos proprietários. Humilde e simples que, caminhando pra lá e pra cá, acabou aproximando-se do coroa. Bernal, então, como quem não quer nada mas preparando a sua armadilha, vai aos seus aposentos, pega aquele baita aparelho, acende suas lâmpadas multicores e põe-se a desmontá-lo e a remontá-lo, mostrando disfarçadamente e com segundas intenções àquela jovem, suas habilidades em rádio técnico, mão de obra especializada, bem como aquele “suntuoso” e valoroso aparelho eletro-eletrônico, tudo capaz de demonstrar um patrimônio material e profissional. Enfim, o seu potencial. Nessa sedução, chegou a dizer que dera um relógio de presente, à moça. Mas só o silêncio infinito diria se isso fora verdade, ou não.
Abra-se agora um parêntese nestas locuções. Faz anos o programa FASTÁTICO da Rede Globo, mostrou um pássaro que cantava potente, em vão e solitário, à procura de uma companheira para o acasalamento. Para tanto, à espera da noiva, fez um “arruado” ou um “praceado”, ao chão, à frente de sua casa e enfiou penas multicores, quiçá de outros pássaros. Era o adorno, o arranjo, a armadilha, a demonstração de riqueza e poder, com os quais pretendia despertar o interesse da futura companheira. Além do canto estridente e bem definido que executava, em demonstração ao seu “poder vocal”. Deu certo! E o acasalamento aconteceu ... ... Fecha-se o parêntese.
Vendo a treita do BERNAL, com o seu megalômano rádio-gravador “made in Paraguay” seu único e bem maior com seus flets multicores ligados, ele mesmo em demonstração de sua mão de obra com habilidades em rádio técnico – com os quais quisera mostrar à jovem pretendida os seus “teres e possuídos” e, ao final, lembrando aquele pássaro silvestre que enfiou penas multicores à frente de sua casa ao chão, para granjear a atenção e os interesses de sua pretendida, chega-se finalmente a uma velha conclusão: “ASSIM COMO SÃO AS PESSOAS SÃO AS CRIATURAS”.
Edição Nº 15991
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