DÃO – UM CARA FORA DE SÉRIE!
Acho que foi lá pelo início do ano 2000 que conheci o DÃO. Precisei de um trabalhador em serviços gerais e acabei sendo indicado por um vizinho que o conhecia. Dão era um bastardo, meio magro, estatura mediana, morava longe, dono de um sorriso histriônico, desproporcional, bom de cachaça, bom de boia mas, em contrapartida, bom de serviço. O conjunto de tais qualificativos já seria de me mostrar que eu estaria ali diante de um sujeito fora de série mas eu só vim a me dar conta de tais predicados, anos depois.
No percalço das nossas caminhadas em trabalho, acabei por deduzir  que DÃO tivera uma companheira com a qual convivera “more uxório” debaixo do mesma casa, esta  de propriedade da varoa. Ela uma viúva, macumbeira profissional e DÃO era aquele cara que, “maridão”, tocava o tambor para servir à sua ama, a dona do terreiro em suas festas e rituais. E aí pinga apanhava pra valer, numa boa. Afinal, tambor e pinga ajustam-se entre si.
A viúva e dona do terreiro, pelo que se conclui, tinha dois benefícios previdenciários, com mais os “mimos” de sua “pajelança”, é de se admitir que viveria o casal com certa folga financeira. Daí em princípio imaginar que DÃO nem precisava dar esse murro todo para juntar o de comer. Afinal era ele – ele mesmo – quem administrava as duas pensões da sua coroa. E nessa entrega, certamente ainda  os “mimos”, quer dizer, os frutos da “pajelança”. Uma vidona e tanta que não era para  qualquer um.  Daí de se admitir que  o sujeito, assim do nada, era um fora de série. Era ou não era?
Mas como tudo neste mundo  tem princípio meio e fim, eis que a varoa, a dona do terreiro, com seus espíritos e encostos até o último fio do cabelo, caiu doente, gravemente doente. E DÃO ali, tomando os seus gorós e administrando os dois benefícios previdenciários da “matrona”. A situação da doença da patroa chegou aos limites e o casal chegou a uma conclusão pacífica e em bons termos: Ela, a macumbeira, iria morar e tratar-se na casa de outra macumbeira; levaria um cartão do benefício previdenciário para o seu sustento  e despesas que tivesse na nova pensão  e DÃO ficaria ema casa, de posse do outro carão, para o seu sustento etc. e tal. E assim fizeram.
Foi nesse período que conheci  o DÃO, através do vizinho que o indiciou ao meu serviço; vizinho que aliás era o dono de um açougue, o qual vivia de posse do cartão do benefício que ficou com o DÃO. E então o rapaz aviava-se com a carne necessária no açougue e, porque analfabeto, entregou o cartão ao açougueiro que, ao final do mês, sei lá o que, repassava-lhe a diferença ou... quem sabe... talvez nem isso. Certo então que ambos arranjavam-se e, nessa parte resolviam-se de boca fechada.
E assim vivia a patroa na casa da macumbeira, mantida pelo seu cartão previdenciário e DÃO, por sua vez, vivia na casa da Varoa, outrora residência do casal. E segue a vida no vai da valsa, cada qual para o seu lado mas tudo de comum acordo. Dão era um tolo, analfabeto, sorriso histriônico e adoidado mas tinha o seu lado esperto. Obteve da viúva uma semi-analfabeta terecozeira, uma DECLARAÇÃIO que lhe afirmava transferir a posse e propriedade daquela casa, ou salvo engano, o reconhecimento de que aquela  casa pertenceria de fato (e de direito) ao casal. Coisa nenhuma! DÃO entrou nessa, só no papel. E, ainda assim, um papelzinho mal feito mas que ambos. protetora e protegido,  levavam a sério. E ai de quem metesse o bedelho!!!
Com cada um morando para o seu lado, ainda que de comum acordo, DÃO não perdeu tempo e... e... arranjou logo outra, moradora de um bairro ali por perto. E aí, nos finais de semana, era tudo junto e misturado: namorada, sogro, genro cunhado e cunhadas e todo o mundo na pinga. DÃO, posseiro livre de uma casa e de um benefício previdenciário, deitava e rolava na situação. E, nessa boca, com casa própria e dinheiro  mensal no bolso, ainda tirava uma onde de “barão”.
E, para completar, levou a mulher com dois filhos dela – que ele dizia ou pensava que era dele e foi morar, imagina! Imagina! Na casa deixada pela sua mulher macumbeira que estava morando e se “tratando” na casa daquele outra macumbeira. E nesse vai da valsa, viveram anos e mais anos, cada qual para o seu lado mas tudo de comum acordo – contanto que um benefício previdenciário ficou pra lá e outro ficou por cá. E DÃO que não era besta nem nada, ainda religou de mão própria a energia que  lhe foi cortada. E depois foi brigar na Justiça!!!
Mas como tudo o que tem início tem fim, eis que uma familiar da paciente internada na casa da macumbeira, achou de dar o “pinote” e meter bronca. Discordou da situação e resgatou a paciente da casa da terecozeira com cartão previdenciário e tudo e, de quebra, ainda mandou cancelar o carão que ficara com o  DÃO e lá se foi a doente no maior sufoco, habitar em outra freguesia, restando em casa DÃO, mulher e filhos, com DÃO e sua mulher tomando todas. 
Agora pra encerrar, só dois fatos: Um dia o DÃO me comparece ao trabalho todo latanhado na cara e no pescoço. Que foi isso Dão?: “É a mulher quando está cama vira o bicho e me arranha todo com unhas e dentes e o que tiver. -  Cria vergonha cabra e toma jeito de gente. No outro dia fui à sua casa, acabei entrando pelo quintal. E o que eu vi?  Uma montanhas de litros vazios de cachaça e só então pude acreditar o que ele me dissera: “Tomava três litros de cachaça num fim de semana junto com o seu cunhado de estimação”.]
E então era ou não era o DÃO,  com suas presepadas,  suas cachaças, ele que comia por dois, por três e até por quatro,   um sujeito de “sorte” e, afinal, um cara fora de série?