O DIA EM QUE A TERRA PAROU (de olho no lixão)
Tenho particular respeito e atenção pelos “lixões” por aí. Devo  explicar que nasceu do lixo, os meus primeiros passos na imprensa escrita. Na época, na capital, havia um carro aberto, um caminhão-basculante. Cá embaixo, garis jogavam latas de lixo e lá em cima um homem segurava e derramava o conteúdo na carroceria-basculante. Pessoas que passavam pelas ruas, fazia pilhérias com o homem da carroceria. Lá em cima. Chamavam-no de “goleiro”.  E provocavam os outros garis, dizendo que estavam ocupando a rua perturbando o trânsito. 
Certa feita, ainda colegial, ao ver a cena, tomei as dores e escrevi “OS HERÓIS DA LIMPEZA PÚBLICA”. Querendo entrar no jornalismo, apresentei-o ao  então Diretor do Jornal O IMPACIAL – Dr. ALMADA LIMA que, sem lê-lo e visivelmente aborrecido com a minha ousadia por tentar “escrever um artigo assinado”, ele, apontando ali os astros que assinaram e assinavam artigos naquele jornal,  ele,  braço direito amputado, deu um murro sobre a mesa com a mão esquerda. Traumatizado, desci a escadaria  do velho sobrado e fui embora.
Dias depois, no entanto, picado pela “mosca azul” do jornalismo mas ferido em minha vocação, voltei ao jornal. Lá, soube através do jornalista e faz-tudo CORDEIRO FILHO que basicamente um corpo editorial foi chamado nos bastidores para analisar (avaliar) aquele texto deixado no Jornal nas condições ora explicadas. No domingo seguinte  “OS HEROIS DA LIMPEZA”  foi publicado com cercadura, assinatura e tudo o mais. Abriu-se ali um espaço à minha vocação, escrevi algumas reportagens – delas em página inteira. Era apenas um “foca”. Era cobrado e não ganhava absolutamente nada. O que eu queria mesmo  era  escrever textos avulsos – quais os faço aqui em O PROGRESSO. E então  não mais me submeti ao cabresto daquilo ali.
Dali em diante, entanto, continuei a colaborar avulso com outros matutinos da capital até que parei no popularíssimo JORNAL PEQUENO que, sozinho, vendia pelos demais, onde escrevi durante vários anos, sob o pseudônimo de CLEVIEGAS. Os textos eram aceitos pelo Diretor e Secretária do Jornal, bem como pelo público em geral, de tal sorte que sob o pseudônimo CLEVIEGAS tornei-me conhecido na capital para meio mundo e quatro bandas da lua. De dizer então que a partir daí os “lixões da vida” sempre me despertaram como até hoje me despertam, particular atenção.
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Mais uma vez estou  cara a cara com o lixão. Vejo que mães e pais de família tiram o sustento dali. Aquilo mexe comigo. Desta vez está ali a família inteira:  Marido, mulher e dois filhos menores. A mãe qual uma leoa vai à caça, ela junta à exaustão, pequenas embalagens de plástico contendo um iogurte vencido que ali foi jogado em grande quantidade. O marido, qual um leão preguiçoso, fica dizendo para a mulher: “já chega”... já chega”. Mas ela não se dá por vencida e continua juntando o seu “cremosinho”. De sua vez os dois filhos casal, estão ali pelo meio,  na vadiação. E a mãe a todo instante grita para os dois: “Saiam daí, saiam daí ”, mas eles não atendem. 
Eu que não tenho nada a ver com a desobediência – quer dizer, que tenho tudo a ver com a situação, vou lá nos dois moleques desobedientes e entro de “árbitro”:  Vocês não estão vendo a mãe de vocês mandar vocês sair? E vocês não obedecem? A minha mãe dizia que: “Pinto que não ouve chamado de mãe, gavião come”. Os moleques arregalam os olhos com essa de “gavião come” e obedeceram. Aí eu me lembrei de um ditério que me ensina que “santo de casa não faz milagre”. Instante depois, os moleques ali do lado, encontram um monte  de fac-simile em cédulas de  dez reais. Iguaisinhas! Só que no verso estava escrito em garrafais: “DINHEIRO FALSO”. E os moleques juntando adoidados aquela “dinheirama”.  E a leoa-guerreira juntando o seu iogurte. E o marido preguiçoso lá diante só rosnando: “Já chega, vamos simbora”. E todo aquele quadro me transpassando os olhos, a mente e a consciência-cidadã.
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Noutro dia chego ao lixão. O ambiente estava desolador. O serviço de limpeza da Prefeitura havia arrastado tudo. O ambiente era de puro deserto!”  Não tinha um pé de cristão. Tudo limpo, tudo arrasado,  não tinha nada! . Mas ali estavam quatro velhos fregueses.  Quatro urubus. Dois deles estavam parados, desolados, tristes,  mudos, frente a frente, como que diziam: “hoje a terra parou”. Lá diante um terceiro urubu deu um  pequeno voo e ficou sobre uma cerca de arame liso, como quem diz: “estou ferrado, e mal pago. Não tem nada”!!!
Enquanto isso um quarto urubu executava um  espetáculo que mexeu com a minha cabeça e despertou a minha atenção: Diante de um osso seco ele dava uma bicada e o osso arrastava-se no asfalto. Ele ia lá, dava outra bicada (sem nada pegar) e o osso fazia o caminho de volta. Voltava, dava outra bicada e lá vai o osso...  outra bicada e lá vem osso. E assim a cena repetiu-se por tantas outras vezes. E, no conjunto, uma sinfonia composta pelas  bicadas secas (sem nada pegar) e o osso arrastando-se no asfalto pra e pra cá. E eu ali, no outro lado da rua, questionador do social, observando para não incomodar. E qual aqueles dois, frente a frente olhando um para outro eu me dizia: “Realmente, para esses aí... hoje é o dia em que a terra parou.
Este texto eu mando para o meu amigo CAPIJUBA, da “edição gráfica” aqui de O PROGRESSO.  Ele que, com duas cervejas no juízo, domingo passado, me avisou antecipadamente com sua fala atrapalhada - sem eu nada entender – que “na próxima sexta-feira é feriado”. E me cobrava com insistência a coluna e ainda cumprimentou-me diante da minha afirmação de que cumpriria o dever da remessa do texto. Taí CAPIJUBA, pra você, meu “ouvidor”.