BENDITA, MÁQUINA DE ESCREVER!!!
Eu deveria  ter quinze anos, cursava o secundário, quando o meu pai me levou para o Curso de Datilografia, na Escola São José de Ribamar, do Professor Carlos Galvão, na Rua Agostinho Torres, no Bairro do João Paulo, em São Luís, capital. O curso era servido por quatro precárias máquinas de escrever que se somavam a uma quinta máquina, esta  xodó do mestre, que só era cedida com restrições aos alunos mais adiantados, em vias de conclusão do curso, este previsto para seis meses.
Eu estava no terceiro mês de frequência, quando ali anunciou-se um “exame de habilitação” e o mestre entendeu que, apesar dos seis meses previstos, eu-Viegas estava em condição de concorrer aos exames, pelo que, então, passei a utilizar a máquina xodó do mestre no exercício de escrita de textos como ofícios, cartas comerciais, memorandos. A prática  de tais exercícios era para mim um “esporte” da maior satisfação.  Uma brincadeira que eu gostaria de estar em tempo inteiro.
Sebastião, um empregado bancário era o melhor e mais destacado aluno da Escola. Datilografava com agilidade e, por isso, utilizava a máquina do mestre com absoluta liberalidade. Logo que fui indicado  para o exame, referida máquina também me foi cedida, no que passei a ter melhor desempenho na arte do oficio.  Para a banca examinadora, o mestre convidou dignitários do serviço público, bancários - todos seus amigos com domínio em datilografia.
No dia da diplomação, com direito a trajes de festa, fotografia com gravata-borboleta para o diploma, discurso, guloseimas e guaraná. Uma tarde festiva, com os partícipes  -  com suas madrinhas e padrinhos, eu-Viegas estava em primeiro lugar entre os concludentes. E levei o DIPLOMA  que o meu pai, orgulhosamente, pendurou-o à parede de nossa casa nas encostas  do meio-do-mato.
Concluído o curso, e sem mais a máquina para uma hora diária, senti-me como um garoto que perdeu o brinquedo. Não tinha mais a máquina de escrever para os exercícios. E, para não perder  o veio do caminho, montei um imaginário teclado na minha mente. Nas noites acordadas fazia cartas, ofícios e datilografava textos imaginários, na mente, pondo o papel, ajustando-o, utilizando a alavanca do espaçador, o teclado do tabulador, margem direita, margem esquerda, comando do carro e tudo o mais.  Querendo mais, criei um suposto teclado sobre uma tábua de madeira sobre a qual treinava  todas as tardes. 
Desenvolveu-se em mim  mais e  mais a cada dia, a  necessidade de estar diante de uma máquina de escrever,  de verdade.  Mas como? Agora era sair por aí e tentar pedir aqui e ali.  Cursava o Técnico noturno na minha Escola e ali com tantas máquinas, pedi à secretária D. Raimunda que me atendera gentilmente. Dias depois, no entanto, encontrei uma muralha de proibição de tais exercícios.  Foi uma dor. Eu precisara precisava dar a volta pro cima.
A esse tempo eu cursava também o Científico no LICEU,  diurno, e então fui bater na Secretaria. Expliquei à Chefe da Secretaria que eu quisera fazer uma carta para minha mãe, no interior, e mostrar-lhe os meus dotes em  datilografia. Tudo de verdade! E quando a funcionária me ouviu falar em  MÃE, seus olhos brilharam e a a concessão foi imediata! E assim fiz  a carta naquele tic-tac cadenciado, funcional e musical. Depois pedi-lhe a leitura, no que de tudo, mais uma vez me senti aprovado; porém acanhado,  não voltei mais à Secretaria par a tal finalidade .
Naquele bendito ano, ao voltar de férias à casa paterna, vi o meu pai “revoltado”, alegando que não tinha condições de por os demais filhos (uma  renca!),  em semelhante escolaridade. E ali cravou o machado ao toco, no meio da roça à minha frente e sentenciou: “ou tu arranja um emprego na cidade, ou o mato está aí para trabalhar”. Olha o drama! A obrigação de conseguir um emprego a qualquer custo!
Eram férias escolares daquele ano quando eu já estava por volta de vinte e um anos, quando fui à minha Escola tratar da minha pendência em desenho técnico. Aquilo parecia um deserto. Só o decano e pranteado vice-diretor Ronald Carvalho estava por ali, às voltas com o  PIPMOI, um programa de mão de obra industrial,  do nascente Governo Militar, 1964. E então, recostado à porta e vendo-o datilografar, soltei uma frase de desespero:  “Professor, me arranje um emprego”. Submeti-me no dia seguinte a um teste em datilografia e assim conquistei o primeiro emprego.  Onde fiquei por quase dois anos, de onde saí para outro. Uma marca para sempre!
Mais tarde, fiz um concurso  para datilógrafo, junto à Fundação SESP, um empregão! Onde fiquei por  seis anos, até concluir a Faculdade de Direito sempre no exercício da datilografia. Em seguida engatei na profissão de advogado, trabalhando diuturnamente ao teclado da máquina de escrever, onde estou aos quarenta e seis anos, sendo que no somatório,  com teclado do computador estou com mais de cinquenta e cinco anos na digitação entre datilografia e computador.
Hoje, acumulo uma “SINDORME DO CARPO”, que é a  perda das  forças e em parte das habilidades  nos dois braços e nas duas mãos, além de uma série de sintomas como dormência, dores e as implicações da auto estima. Ainda assim continuo ao teclado. Imagino que as sequelas têm origem no exercício da datilografia. Acumulo também cinco máquinas de escrever jogadas à poeira e à própria sorte. E não tenho coragem de delas me desfazer. Elas que me abriram portas, caminhos, esperança e um Novo Dia! E então minha voz não se levanta nem se levantará JAMAIS contra a máquina de escrever, porque na minha vida,  BENDITA É A MÁQUINA DE ESCREVER!!!