PRINCÍPIO, MEIO E FIM
(porque tudo na vida é um tempo)
Lá pras bandas daquelas terras onde o vento faz a curva, havia dois irmãos, latifundiários, donos de légua de terras, tidos como ricos da região. E eram. Em meio àqueles roceiros cuja grande-maior parte morava em terras alheias; plantavam e pagavam aluguel em terras alheias, aqueles dois irmãos eram de fato ricos, tal como era do vozerio popular. Afinal, eles tinham canavial todos os anos, eram donos de engenho de fabricação de cachaça e açúcar mascavo e dispunham de nada menos do que uma dúzia de homens cativos, sempre à disposição para o trabalho braçal em suas atividades. Tinham também um comércio num amplo salão em que um dos irmãos balançava-se o tempo inteiro numa vistosa rede.
Ali ao lado uma verdadeira “casa grande” onde morava um dos irmãos, com direito a mobília do tempo da realeza e toda uma vida fausta, que contrastava a mil milhas de distância daqueles roceiros da região que viviam em casa de taipa e palha. Então os dois mãos eram ricos. Fora isso em suas léguas de terras, nenhum estranho se atreveria a cortar um galho ou apanhar uma folha, tampouco juntar uma macaúba caída ao chão. Não que eles fossem tão maus assim, mas porque esse sempre foi e continua sendo o perfil, a divisa de respeito que se instalou naqueles domínios exclusivos dos dois.
E como se não bastasse tanta riqueza e fartura que os tinham nas palmas das mãos, ainda eram donos de campo de criação de gado e açudes naturais com peixes de espécies diversas que eles escolhiam a dedo a que bem quisessem, para os seus eventuais almoços - deixando toda aquela fartura intocável a cargo da natureza, longe, muito longe do acesso da gente comum de pés no chão, de foices e machados aos ombros e de bucho muitas vezes amarrado pela fome que sempre os açoitava e que tantas vezes driblavam com as mangas “catana” e ”cajá” que se espalhavam pelo chão ao tempo da frutificação e da fartura naturais.
Aqueles dois irmão, então, tinham tudo ao alcance das mãos. Como e quando queriam. A vida é mesmo assim - uns com tanto, outros com nada, ou como diz a canção de Jocafi: “Ai meu Deus como chove em roça errada” – uns com tanto, outros com nada”. Dos irmãos, um vivia pregado ao balcão, à sua rede vistosa enquanto o outro irmão era mais executivo, mais colarinho – ele mesmo que montado em seu cavalo branco arreado, único, de sela, marcha livre e fogoso, tornou-se vereador na Vila, em que seus domínios, no interior, se assentavam.
E seguia a vida de uma riqueza cercada da pobreza em volta. Mas a vida é mesmo assim: “uns com tanto, outros com nada”. E se um desgraçado almejasse um simples olho de cana”, para plantar e fazer um caldo de tempero ao café, teria um baita NÃO na lata, que era para não fazer concorrência. Afinal, tal a mesquinhez, a riqueza deveria ser inabalável e intransferível. E seguem os dois irmãos donos da situação na suntuosidade do seu universo, olhando a vida e o mundo de cima para baixo, enquanto a plebe ignara cá embaixo e naturalmente afastada de suas divisões fazia mote de versos, cantigas, cantorias para homenagear e reconhecer o poder e a fortuna dos dois irmãos. Era o apogeu! Mas ainda assim, na SENZALA brasileira não era diferente. Lição da vida nos ensina que tudo na vida é princípio, meio e fim. Ela mesma que dita que “tudo na vida é um tempo” e eu, filho e cria dessa lição, acrescento: “tudo na vida é um temo e só por um tempo”. E advirto agora: Não se engane!!!
O mundo deu volta, tantas voltas e os irmãos unidos, sólidos que reinaram impávidos, sereno e intocáveis, um dia partiram-se em dois: Um deles – aquele da rede bonita – foi par a cidade e o outro permaneceu naquele chão de suas léguas de terras – chão de todas as riquezas que, como se sabe, a divisão é sempre uma divisão.
Começa, então, uma nova rota, um novo caminho. E o irmão, aquele que montou no cavalo branco, marchador e fora vereador na cidade, também teve que capitular. Vendeu suas terras, naturalmente pela fortuna que na época lhe parecera e foi habitar na cidade grande, na Vila, onde um dia foi vereador. Na cidade os dois cada qual para o seu lado, a eles lhes restavam os nomes e quase só os nomes, mas sabe-se que isso não engorda nem enche o bucho. Então, dali em diante, ingressaram em franco declínio e ainda sobreviveram por alguns anos e nada mais.
Hoje os irmãos não existem mais. Nem os seus nomes que outrora embalaram a inspiração daqueles sem terra para executarem cantoria em sua honra. E as terras, légua de terras outrora chão de todas as farturas, agora já não abriga mais engenho de cana-de-açúcar e a “casa grande” é uma marca perdida em ruínas que restou por ali. Aquelas terras – légua de terras, outrora cercadas pelo poder e ungidas pela riqueza protegida contra a plebe ignara ao redor, agora dividem-se em pedaços – pedaço de um, pedaço de outro e outros tantos pedaços de tantos outros; tornou-se um chão comum, qualquer, como qualquer outro, sem as redomas de outrora.
E se antes existiam vicinais de acesso ao terreiro dos irmãos, hoje mal existem pequenas veredas, em forma de caminho, entremeadas por aquelas terras agora “loteadas” e sob a posse dos plebeus de outrora. A casa grande é uma ruína e os móveis de realeza não existem mais. E os açudes naturais de todas as espécies de peixe, agora são tudo coisa comum, devassados; os campos de criação de gado, tudo virou capoeira e presta-se a roças e lavouras de sobrevivências. Se é verdade que um “uns com tanto e outros com nada”, e que também chove em roça errada, a gente vê que no final do capítulo, tudo na vida é um tempo e que nesta vida é tudo principio meio e fim.
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O tema aqui enfocado é edificado em cima de fatos e personagens que, anônimas, são todos da vida real. Mas se você acha que isto aqui é um “causo” que se projeta no espaço e então quem souber que me conte outro.
Edição Nº 15890
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